Fabrício acorda todos os dias às 05h30min da manhã. Mal abre os olhos sua mãe o chama para ir ajudá-la a organizar os salgados prontos, na grande caixa de isopor.

Não há muito tempo para curtir o colchão fino que usa para dormir, a mãe já está atrasada para ir ao serviço, faz faxinas em casas de famílias, e ele precisa terminar de organizar os lanches que vendem diariamente em uma praça da cidade.

Após as vendas, Fabrício retorna para casa, muitas vezes ainda auxilia a irmã mais nova a terminar o almoço, pois os outros irmãos menores chegarão da escola a qualquer momento, e ele é a irmã precisam ir estudar depois.

Fabrício e a irmã têm dificuldades nos estudos. Fazem parte do terrível índice de distorção idade/serie. A cada ano são auxiliados pelos professores de forma especial para prosseguirem nos estudos.

Por conhecerem a história de vida desses meninos e meninas, a equipe docente e pedagógica da Escola São José, os assiste com muito carinho e atenção. Histórias como essa se repetem em milhares de escolas de nossa cidade, região e país.

Meninos e meninas que aprenderam a sobreviver na vida, mas não conseguem sobreviver na escola. O que aprendem na escola irá auxiliá-los a viver a vida? Na vida que sobrevivem não aprenderam nada que os façam melhores na escola?

Não queremos tratar Fabrício e a irmã como incapazes de aprenderem. Eles sabem muito, sabem mais que muitos de nós, professores. A escola precisa criar conexões com o que ensinam e com o que os alunos vivem, ou necessitam para viver.

A Vila São José, como muitas vezes relatei neste espaço, situa-se próxima a futuros grandes empreendimentos (caminhamos como se a hidrovia, o porto e a Alpa já sejam realidades). Não podemos apenas contemplar as coisas acontecerem, como educadores temos a obrigação de auxiliar meninos e meninas, como o Fabrício e a irmã, a usufruírem de todas as oportunidades que o progresso trará a nossa sociedade.

Empregos surgirão, aos montões, com todos esses empreendimentos. Porém necessitarão de mão de obra especializada. Assim, poucos de nossa Vila poderão ser contratados em longo prazo, ocupando cargos mais específicos.

Constatar isso é angustiante, sufoca. Em uma terra de gigantes, formiguinhas são esmagadas impiedosamente. Os grandes não se importam com os estragos que causam na alma dos pequenininhos, o desinteresse com a dor causada ao outro, não provoca nenhum tipo de sentimento em quem tem o poder de mudar o choro em riso.

Ficar carregando uma completa impotência não faz parte do meu ser, não aceito um: ”Sinto muito, não posso fazer nada por você, porque não estou interessado!”. Algumas pessoas tratariam logo de desistir ao ouvirem uma frase dessas. Mas eu não!!! Acredito que sempre podemos fazer alguma coisa para ajudar quem está em sofrimento, nem que seja oferecendo um saboroso sorvete na casquinha, ao menos por alguns minutinhos esquecerá seus problemas.

Mas graças a Deus, enquanto alguns demostram completo desinteresse ( algo incompreensível!!!), outros se desdobram em atenções. Nas longas conversas com professores e amigos experientes fomos encontrando um caminho a seguir, e levar nossos meninos Fabrícios a caminhar de forma segura.

Compreendemos que, como diz nosso amigo Venâncio, não temos que dá o peixe, precisamos ensinar a pescar.

Assim, decidimos levar para dentro da escola o que muitos de nossos alunos já vivenciam: o empreendedorismo.

Fabrício é um empreendedor mirim, quando madruga para vender os lanches na praça, quando dividi uma parte do lucro para investir em novos tipos de salgados, quando presta contas com a mãe no fim do dia, toma atitudes próprias de investidores visionários.

Resolvemos colocar em prática o Projeto Empreendedores na Escola. Fomos à busca de pessoas que fizeram de suas vidas exemplos a serem seguidos. Solicitamos a empresários que ministrassem palestras sobre empreendedorismos aos nossos alunos e pais, na tentativa de nos apropriar da vivencia de homens e mulheres vitoriosos em suas carreiras.

Contaremos com palestras ministradas por Ian Corrêa (Sinobrás), Mauro de Souza (Casas Prata), Jorge Bichara (Unimed), Andréia (Obra Kolping), Eloíso Araújo (ALPA/Vale), Moacir Bianchini (Hidrovias do Brasil), Nivea (ALPA/Vale), Daniel Franco (Construfox) e, não permitirei que deixe de nos brindar com sua participação, Antônio Venâncio (Vale).

Também contamos com o apoio irrestrito do SEBRAE, prestando-nos assessoria sobre perfis de empreendedores, montagem de empresas fictícias por nossos alunos e, ainda,  ministrarão palestras aos pais sobre as necessidades do mercado local.

Para alavancar nosso projeto fomos agraciados com os cursos Empreendedorismo e Educação Financeira, promovidos pela Fundação Vale/Estação Conhecimento, com financiamento do Fundo para Infância e Adolescente, o FIA da UNICEF.

Na aula inaugural do curso, o economista Durval Júnior, convidado especial da Estação Conhecimento, fez os olhinhos do Fabrício brilharem, ao mostrar o potencial que nossa Vila São José possui enquanto prestadora de serviço, como os moradores da Vila devem criar oportunidades de negócios a partir das necessidades da localidade.

Ao perguntar para outra aluna do curso sobre o que ela gostaria de ser, Durval se surpreendeu com a resposta: “Quero ser a dona da Vale”.  Confesso que eu também gostaria de ser a dona da Vale. Mas o economista nos mostrou que podemos ser, se não donos da Vale, mas donos de nossos próprios destinos, donos de nossas decisões, donos do compromisso com a melhoria da qualidade de vida de nossa Vila.

Fabrício está participando do curso, tendo sido escolhido como líder da turma. No encerramento das aulas, em junho/2012, ele tocará seu saxofone na Feira do Empreendedor, e iremos comemorar com todos os moradores a oportunidade de sermos donos de nossos próprios espaços, fazendo-o prosperar, não ficando à mercê de decisões externas.

Ao longo deste semestre iremos esmiuçar o projeto, trazendo entrevistas com nossos palestrantes e relatando nossas alegrias e medos, fazendo deste espaço um diário de bordo, dessa viagem misteriosa e fascinante que estamos fazendo com nossos alunos, empreendedores de sucesso!

 

Evilângela Lima Alcântara, Educadora, Diretora da Escola de Ensino Fundamental São José.