A notícia chegou a mim através do meu amigo Francisco Brandão, um dos mais talentosos e antigos cerimonialistas da região.

– Hiroshi, a cidade foi acordada com a triste notícia do falecimento do Chico da Banca.

A mensagem enviado pelo Messenger atravessou veio de sentimentos trazendo à memória o rosto do Chico, o mais antigo dono de banca de revistas da cidade de Imperatriz.

Pra ser mais exato, 40 anos de atividade em plena praça de Fátima, a mais tradicional da cidade.

Conheci Chico.

Pela lógica de morarmos em cidades diferentes, a comunicação física entre nós dois era quase inexistente.

Mas numa de minhas idas a Imperatriz, certa vez, uns cinco anos passados, dei uma rápida parada na Banca do Chico.

Propositalmente, me aproximei assim como quem não quer nada, óculos escuro no rosto, folheando uma ou outra revista, faço todos os movimentos ligado também nos movimentos do Chico.

Eu fazia de conta que não esstava nem ali pra ele, enquanto percebia seu olhar atento me seguindo,  como quem querendo me identificar.

E não é que o Chico (foto) me reconheceu?!

– Rapaz, tu ta parecendo com um amigo meu que mora em Marabá. Tu não é o Hiroshi?

Reagi com uma risada descaradamente carregada de felicidade.

Fazia tempo que a gente não se via.

Deixe Imperatriz em novembro de  1982.

Mudei de rumo, mas nunca deixei de retornar àquela cidade que tanto amo.

Só que minhas idas sempre foram rápidas, máximo três dias.

Não tem como não passar pela frente da Banca do Chico, você andando de carro.

Se descer a Dorgival Pinheiro, para retornar no  sentido da avenida Getúlio Vargas, tá lá, escancarada, a banca do meu amigo.

Mas nunca parava.

Uma vez, meu primo Coriolano,  Editor Chefe do jornal O Progresso, marcou encontro numa manhã de domingo na banca do Chico, terminei não indo.

Mas voltando ao nosso reencontro, Chico continuava o mesmo, quase sem mudar fisicamente.

Um rápido bate-papo, e ele revelou algo que eu já nem lembrava.

-“Nunca esqueço daquela carreata de mais de mil carros que você organizou pela Rádio Imperatriz, toda a cidade vestida de Flamengo. Aquilo me marcou muito, passei a ser mais flamenguista do que eu já era….”

Verdade.

Mais de mil carros.

Eu dirigia o departamento de jornalismo da Rádio Imperatriz,  o Mengão havia vencido  o Vasco por    1 X 0,  gol do  Rondineli de cabeça,  aos 44 minutos.

Precisava da vitória para conquistar o título carioca, e o Vasco jogava pelo empate.

Foi uma explosão de alegria.

Passei a semana chamando nos programas da emissora para  a carreata da vitória histórica.

A concentração, como tudo o que ocorria naquele tempo em Imperatriz, foi na praça de Fátima, subindo a Getúlio.

Concentração começou meio dia.

Às 14 horas, antes da liberação dos carros para abrir o cortejo, fiz uma subida pela avenida, de moto, e conferimos  antes de sair, 800 e poucos veículos.

Com a passagem dos carros pelas ruas, a fila foi aumentando.

Isso foi num sábado.

No domingo, os vascaínos diziam que não havia 300 carros.

Os flamenguistas mais exaltados falavam em cinco mil.

Não!

A contagem certa passou um pouco de mil.

E esse fato marcou a cidade, marcando profundamente meu amigo Chico, que assim me revelara ao nos reencontrar.

A Banca do Chico, em verdade, era o segundo Senadinho de Imperatriz, que reinou décadas ao lado de outro Senadinho, aquele que se consolidou na casa do seu Olímpio Bandeira, também falecido mês passado.     (LEIA AQUI)

Mais confraria do que propriamente uma banca de revista, já que ali bem no centro da praça de Fátima, convergiam os opostos.

Torcedores de todos os clubes do Brasil, adversários políticos, fofoqueiros de plantão,   a geleia geral reunida num local que misturava o papo agradável com muita cerveja e churrasco.

Sim, na Banca do Chico, ocorria tudo isso.

A confraternização de final de ano era o momento apoteótico de uma irmandade que sabia  se contrapor saudavelmente.

Um grande encontro que começava pela manhã e varava até altas horas da noite, com cerveja e carne assada em plena praça.

Imagino como estão, na passagem deste domingo, os frequentadores da Banca do Chico, e  o quanto ele fará falta neste momento de tantas dificuldades vividas pelo povo brasileiro.

Confraternizaçao final de ano na Banca do Chico

Com tanta informação disponível nos celulares e nos computadores, as vendas nas tradicionais bancas de jornais diminuíram.

A banca do Chico, também, não esteve fora da regra, mas ele se reinventava comercialmente diversificando  atividades para continuar existindo, vendendo além de revistas e jornais – cigarro, café, refrigerante,  água….

O forte, no entanto, na Banca do Chico, não eram os produtos disponíveis.

Ele se reinventou com a alma, oferecendo sua amizade, seu papo agradável e  amigo, administrando um ambiente solidamente democrático, onde prevaleciam as opiniões  contrárias de seus clientes e frequentadores.

Francisco Melo, o Chico da Banca, certamente se encontrará logo mais com seu Olimpio Bandeira, e ambos criaram a Confraria dos Justos, ao lado  dos deuses que os protegem.

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Nota 1- As fotos foram enviadas agora pelo primo  Coriolano Rocha registrando momentos distintos da Banca do Chico.

 

Nota 2 – Coriolano também informa que os amigos de Chico estão tentando, junto às  autoridades de Impetatriz, autorização para fazerem o velório de Francisco em frente a banca de revista.

A causa da morte de Chico foi infecção generalizada, consequência de uma acidente de moto que lhe causou consequências diversas no organismo, principalmente pelo status de diabético que ele carregava desde muitos anos.

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Atualização às 20:11

O corpo de Francisco Melo, o Chico da Banca, já está sendo velado em plena praça de Fátima, em Imperatriz.

As autoridades de saúde do município autorizaram a realização do ato fúnebre em frente a banca de revista, exatamente no local  que se transformou em uma confraria que reunia, diariamente, por mais de 40 anos- políticos, jornalistas , médicos , empresários, professores, militares, ambulantes, servidores de órgãos municipais, estaduais e federais em animados bate-papo.

O editor do jornal O Progresso, Coriolano Rocha, um frequentador assíduo da Banca do Chico, e um dos mais fervorosos defensores da confraria, disse há pouco que a banca tinha  a magia de atrair os opostos.

“Na banca, o Chico tinha a sábia habilidade de convergir até mesmo quem se detestava. Vi muitos inimigos políticos chegarem na banca e se cumprimentar, sob galanteios do Chico,que fazia questão de patrocinar encontros de paz.  Além de toda essa plêiade de profissionais listados em seu blog, a banca atraía também assessores e babões de políticos, além de cruzetas”, resume,  numa alusão  bem humorada para valorizar um dos pontos mais frequentados de  Imperatriz.

Neste exato momento, 20h15, a praça de Fátima já se encontra em clima de justas homenagens a Chico.

Na praça de Fátima,  em frente a banca de Francisco, foi instalada uma ampla tenda para servir de abrigo a quem for prestar homenagens ao saudoso dono da banca.

O local está sendo ocupado seguindo orientações da área de saúde, para a noitada de velório, todos usando máscaras e procurando manter distâncias seguras, como mostram as fotos enviadas por Coriolano Rocha.

 

 

Atualização às 21h30

Instante atrás, Coriolano Rochaestendeu a bandeira do Flamengo sobre o caixão de Chico da Banca., flamenguista apaixonado tanto quanto Coló.