O elevado endividamento das prefeituras e o constante risco de descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal. Estas são as principais razões apontadas por deputados e senadores para justificar diminuição do interesse de parlamentares pelas eleições municipais deste ano. No pleito de outubro, 73 deputados e apenas dois senadores decidiram disputar aos cargos de prefeito e vice-prefeito de capitais e municípios do interior, uma redução de 32% e comparação com o grupo que concorreu em 2012.

Levantamento feito pelo Congresso em Foco mostra que os três partidos com as maiores bancadas no Legislativo são os mais interessados nos executivos municipais. O PSDB escolheu 10 deputados nas convenções municipais da semana passada para o cargo majoritário e um aceitou a vaga de vice, a de Bruno Covas, em São Paulo. O PMDB vem em seguida, com 10 nomes, e o PT, com nove (veja o quadro).

O maior interesse dos deputados é pelas eleições nas capitais. Nestes centros existe a maior concentração de eleitores do Estado e o prestígio do prefeito é equivalente ou maior do que deputados ou senadores. Além disso, se eleitos nestes municípios, os parlamentares poderão usar a gestão como trampolim para uma candidatura ao governo estadual em 2018. Rio de Janeiro, São Paulo e Manaus são as capitais que despertam maior interesse dos parlamentares, como mostra a tabela.

Para administrar o Rio, cidade que tem 4,8 milhões de eleitores, o segundo colégio eleitoral municipal, os cariocas terão um cardápio com cinco deputados, além do senador Marcelo Crivella (PRB). Com a maior população urbana da América Latina, os 8,8 milhões de eleitores paulistanos vão escolher o novo gestor entre quatro deputados e a senadora Marta Suplicy, que já foi prefeita pelo PT e disputa agora pelo PMDB. O petista Fernando Haddad concorre à reeleição.

Em Manaus cinco deputados querem gerir a cidade onde funciona a Zona Franca. Vão tentar vencer o bem avaliado prefeito Arthur Virgilio (PSDB), que concorre à reeleição. Virgílio já foi deputado, senador, ministro e decidiu cuidar de assuntos locais. Em Belo Horizonte quatro deputados federais e um estadual disputam o posto que Marcio Lacerda, do PSB, ocupa por dois mandatos e não pode mais concorrer. A capital mineira tem 1,9 milhões de eleitores e é uma boa vitrine para quem sonha com postos mais poderosos. “Deixar de ser deputado para virar prefeito de capital sempre vale a pena por causa do prestígio político”, diz o deputado Julio Cezar (PSD-PI), coordenador da Frente Parlamentar Municipalista.

Julio Cezar lembra que trocar o Legislativo – em que o deputado ou senador só se responsabiliza pela gestão das finanças do próprio gabinete e tem direito a frequentes discursos com transmissão ao vivo pela TV –  pela administração das cidades pode ser perigoso. O deputado já foi prefeito de Guadalupe no final de década de 1970 e alerta para os riscos impostos pelos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal, que deixa os prefeitos sem orçamento para fazer obras – até mesmo as pequenas – por causa do elevado custo com salários. Com a exigência da lei que obriga os reajustes salariais dos funcionários pelo menos pela inflação, o orçamento municipal termina comprometido e a LRF descumprida.

Na Bahia, por exemplo, a contabilidade de metade dos 417 municípios ultrapassou os limites da LRF por causa dos reajustes obrigatórios dos salários. Mesmo assim, o deputado baiano Bebeto (PSB) resolveu concorrer a prefeito de Ilhéus. A cidade deve R$ 5,8 milhões ao Tesouro Nacional e outros R$ 1,2 milhão a bancos públicos. Parece pouco, mas o município não pode quitar as dívidas porque está no limite do gasto com folha de pagamento e não sobra orçamento para outras obrigações.

Em 2009 a dívida total dos municípios era de R$ 22 bilhões. Em dezembro de 2011 pulou para R$ 62 bilhões. Seis anos depois o endividamento só cresce.  Nas capitais, o endividamento é proporcional ao prestígio do cargo e ainda atrai parlamentares. Uma eleição em um grande centro urbano no meio do mandato legislativo pode ajudar o congressista a voltar à Câmara ou ao Senado.

As capitais mais cobiçadas são os melhores exemplos do aperto financeiro de qualquer cidade. Segundo informações do Banco Central, até maio, São Paulo, por exemplo, devia R$ 29,4 bilhões. Desse total, R$ 1,6 bilhões são débitos com bancos públicos – BNDES, Banco do Brasil e Caixa – e outros R$ 71,1 milhões com empresas públicas que fornecem serviços como água e energia. O restante da dívida é com o Tesouro Nacional. “São Paulo precisa racionalizar os gastos antes de projetar novas obras”, diz o deputado-candidato Celso Russomanno (PRB).

A dívida do Rio de Janeiro ultrapassa os R$ 13 bilhões. Metade com o Tesouro e o restante com bancos federais e empresas públicas. O endividamento de Belo Horizonte é de R$ 2,2 bilhões.  Na lista das capitais preferidas, Manaus tem uma dívida de R$ 196 bilhões. Mesmo com a dificuldade, cinco deputados querem administrá-la.

A deputada Alice Portugal (PCdoB-BA) não se intimidou com a dívida de R$ 40 bilhões e se lançou candidata em Salvador e quer disputar com o favorito ACM Neto, que concorre à reeleição. Neto era deputado em 2012 quando concorreu pela primeira vez. Alice admite que, se ganhar, terá dificuldades financeiras para adequar a gestão com as necessidades sociais. Mas tem uma motivação extra: “Na campanha vamos denunciar a oligarquia carlista”, diz a parlamentar em referência ao termo usado para identificar o antigo grupo do falecido senador Antônio Carlos Magalhães.

A mesma motivação política de Alice levou a deputada Luiziane Lins (PT) a tentar ser novamente prefeita de Fortaleza. Até hoje ela responde a três processos no Tribunal de Contas do Estado em função de contas ainda não aprovadas da sua primeira gestão, entre 2009 e 2012. A parlamentar garante que suas contas estão em ordem e não se intimida com o endividamento atual do município, de R$ 248 bilhões. “Minha militância política é uma opção de vida, para tentar melhorar a vida das pessoas”, explica Luiziane. A deputada também decidiu disputar as eleições para tentar resgatar a imagem ruim do PT depois das crises do mensalão, petrolão e do impeachment.

A motivação política também levou o deputado Max Filho (PSDB-ES) a tentar novamente ser prefeito de Vila Velha, maior colégio eleitoral do Espírito Santo e segunda maior população capixaba. Entre 2001 e 2008 Max foi o prefeito da cidade onde tem sua principal base eleitoral como parlamentar e saiu bem avaliado. A dívida de Vila velha é R$ 39 bilhões com o Tesouro e bancos públicos e será um desafio para o deputado. “A cidade tem um cenário desolador do ponto de vista da gestão. Não pude me omitir”, explica Max.

Previsões sombrias

A crise econômica anuncia mais dificuldades para os futuros prefeitos. Segundo dados do Tesouro Nacional, no primeiro semestre houve uma queda de 6% na arrecadação geral de impostos. A consequência será um encolhimento proporcional nos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), única fonte de renda de grande parte das cidades, principalmente na região Nordeste, e composta pela arrecadação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto de Renda.

Os futuros prefeitos também não vão poder contar com a generosidade do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), responsável pelo maior volume de financiamento de obras de infraestrutura para as cidades. Relatório da instituição mostra que a média de empréstimos mensais para os 5.568 municípios foi de R$ 16 bilhões em 2014, mas entre janeiro e junho deste ano este valor caiu para R$ 6 bilhões.