O Ministério Público Federal apresentou à 10ª Vara Federal Criminal de São Paulo as razões do recurso contra a sentença do juiz federal Márcio Rached Millani, do último dia 22 de maio, na qual foi rejeitada a denúncia oferecida pela Procuradoria da República contra o ex-chefe do Doi Codi em São Paulo, Carlos Alberto Brilhante Ustra, e o delegado da Polícia Civil, Dirceu Gravina, pelo crime de sequestro qualificado do bancário Aluizio Palhano Pedreira Ferreira, ocorrido em maio de 1971, durante a Ditadura brasileira.
Para as procuradoras da República Eugênia Augusta Gonzaga e Thaméa Danelon de Melo, autoras do recurso, apesar da “aparente lógica dos argumentos práticos adotados” pelo juiz Millani, sua “decisão afasta-se da técnica e incorreu em clara negativa de prestação jurisdicional”, ou seja recusar de plano, com base em suposições e argumentos políticos, a análise de um caso pela Justiça.
No recurso, o MPF pede a reconsideração da decisão pela própria 10ª Vara Federal. Caso isto não ocorra, as procuradoras pedem a remessa do processo para o Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
Para as procuradoras está correta a tipificação do crime como sequestro qualificado por agressão, uma vez que Palhano é um desaparecido político e “nunca mais se teve notícias de seu paradeiro ou, se morto, do paradeiro de seu corpo”.
Millani, na sua sentença, afirma que “experiência e bom senso” impedem dizer que Palhano possa estar vivo, pois estaria com 90 anos num país em que a expectativa de vida é de 73 anos e que, com a edição da lei 9140/95, que reconheceu como mortos os desaparecidos políticos, caberia ao MPF provar que ele está vivo, e não aos acusados, durante o trâmite regular de um eventual processo.
Para o MPF, ambas as hipóteses apresentadas na sentença são incabíveis. Se o caso não envolvesse um crime ocorrido na Ditadura e, com as mesmas provas apresentadas, aos acusados fosse imputado homicídio, a denúncia certamente seria rejeitada, pois “regras de experiência e de bom senso”, como sustentou o juiz, “não são suficientes para se provar a morte de quem quer que seja em um processo criminal”.
Sobre a lei 9.140, ela não tem a função “de transformar a vítima em morta para fins penais sem a produção de provas e de laudo, ainda que indireto”. A lei 9.140 não alterou as disposições do Código de Processo Penal, nem do Código Civil. Segundo o último, a morte presumida só poderá ser requerida após “esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento”.
CAMINHO FECHADO – Ou seja, ao não abrir o processo para investigar o sequestro de Palhano, a Justiça também fecha um caminho para se tentar descobrir o paradeiro da vítima. Qual meio “mais idôneo para se esgotar buscas e averiguações que a ação penal pública?”, questiona o MPF no recurso.
Para o MPF, querer que se faça a denúncia com a prova de que Aluízio está vivo é que desafia as regras do bom senso, pois se trata se um desaparecido político. As procuradoras afirmam que a hipótese é “sui generis” mas não é única, fazendo analogia com os casos de bebês sequestrados para viver e crescer com outras famílias, sem saberem suas reais identidades. Nestes casos, se fosse exigida a prova de que a vítima ficou em cativeiro, com sua liberdade de ir e vir tolhida, tais crimes, amplamente praticados na ditadura argentina, teriam restado impunes.
O MPF acrescenta que “deve-se ter em mente que o sequestro, quando praticado por Estados Autoritários, como forma de desaparecimento dos ‘indesejados´, visa tutelar também outros bens jurídicos, de igual estatura constitucional”. Para as autoras do recurso, o caso “possui como bens jurídicos o direito à memória, o direito ao luto, o direito de enterrar seus mortos. Justamente por isto a conduta não cessa enquanto o corpo não for devolvido aos seus familiares. Neste sentido é a jurisprudência da Corte Interamericana”.
Para o MPF, para que o caso de Palhano não fique impune, a Justiça deve receber a denúncia contra Ustra e Gravina e se, no curso do processo ficar provado que ele foi morto, a data em que o fato ocorreu e suas circunstâncias, a Justiça deve abrir a oportunidade para o MPF mudar a tipificação da denúncia, ainda que apenas para imputar aos acusados o crime de ocultação de cadáver, que também é imprescritível.
“Aluizio, se morto, é mais uma das vítimas do regime cujo destino dado ao corpo é incerto e não sabido. Que teve subtraído de seus familiares e amigos o direito a um enterro digno de seus restos mortais. Esta é a realidade. E não se pode abortar a persecução criminal lançando-se mão dessa odiosa presunção de morte”, afirma o MPF no recurso.
Para o MPF, querer que se prove que Palhano está vivo como condição para processar seus sequestradores e algozes, “é mais uma afirmação de ingenuidade cruel do MM. Juiz para com as vítimas e familiares de mortos e desaparecidos políticos. É inaceitável negação de prestação jurisdicional”.
A rejeição de Millani à tese de crime permanente, afirma o MPF no recurso, o fez considerar que o crime praticado contra o desaparecido Palhano deve ser tratado como homicídio e, portanto, coberto pela Lei de Anistia que perdoou crimes como estes praticados até 1979. Este é outro ponto da sentença que deve ser rebatido. No recurso, as procuradoras deixam claro que o juiz optou expressamente por descumprir a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que obriga o Brasil a investigar e punir os crimes da Ditadura, independentemente da Lei de Anistia e do reconhecimento de sua validade pelo STF na ADPF 153.
Para o juiz, essa decisão do STF e da Corte Interamericana são incompatíveis e qualquer que fosse sua sentença, ela desrespeitaria uma das duas. Para Millani, a denúncia só poderia ser recebida se o STF revisse sua posição com relação à lei de Anistia.
Para o MPF, entretanto, “até que o STF venha a se posicionar sobre a decisão da Corte no caso em tela – o que, se ocorrer em sentido contrário, pode abrir uma crise internacional para o país – , todos os magistrados devem cumprir a decisão mais recente, proferida pelo Tribunal competente”.
Assim, optar por descumprir a decisão da Corte não é “uma escolha possível” e o juiz “errou gravemente ao recusar-se a cumprir a decisão de um Tribunal internacional ao qual soberanamente o Brasil se vinculou”, violando a Constituição brasileira e a Convenção Interamericana.
No recurso, o MPF acrescenta que respeitar a decisão da Corte Interamericana e receber a denúncia não configuraria uma afronta à decisão do STF na ADPF 153 porque no ponto em que reconhece a anistia aos agentes da repressão ela foi integralmente revista pela Corte Interamericana.
Nota do blog: ainda falta muita gente ser apanhada, para pagar pelos crimes praticados na época da ditadura militar.
Jorge
30 de maio de 2012 - 19:57HB,
Ainda falta muita gente ser apanhada, para pagar pelos crimes praticados na época da ditadura civil.
Governadores, Prefeitos, Vereadores, Juízes…..
Quantos milhões de vidas não foram tiradas pelos milhões (ou será bilhões?) de reais desviados da educação, saúde, saneamento….
Anonimo
30 de maio de 2012 - 08:25Amigo, não tem nada a ver com o tema da postagem, mas veja aí essa matéria da Folha de São Paulo:
“Por Bernardo Mello Franco e Catia Seabra
Diante do impasse nas negociações com outros partidos, o pré-candidato do PT, Fernando Haddad, investe no front virtual para tentar crescer na disputa pela Prefeitura de São Paulo. Ele procurou blogueiros que apoiam o governo Dilma Rousseff para pedir ajuda a sua campanha na internet. O grupo marcou jantar ontem à noite na casa do jornalista Paulo Henrique Amorim, que é apresentador da TV Record e mantém o blog Conversa Afiada.
“A intenção é ouvir opiniões sobre a campanha e pedir o apoio deles como militantes”, disse o deputado estadual Simão Pedro (PT), da campanha petista. Na lista de convidados, estavam também Luis Nassif, Rodrigo Vianna, Luiz Carlos Azenha, Renato Rovai, Altamiro Borges, Conceição Oliveira, Paulo Salvador e Sérgio Lírio.”
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Eis aí, o Nassif, o PHA, o Azenha… Todos os que nos são aprsentados como grandes jornalistas imparciais, mas não passam de venais que entregaram até a alma a Lula e ao PT. Dar crédito a essa gente é se colocar do lado do que há de mais enganador no jornalismo nacional atualmente. Abs.
Brilhante
29 de maio de 2012 - 18:27Caro Hiroshi,
A cada notícia envolvendo os tempos da ditadura militar, nomes conhecidos e até a chegada da era da Serra Pelada, ainda sem registro entre os marabaenses, aos poucos são revelados. Esse torturador, Brilhante Ustra, denunciado pelo libelo “Brasil Nunca Mais”, lançado pela arquidiocese de São Paulo, naqueles anos de chumbo, nos remete a um certo Luchini, agente da repressão, que em Serra Pelada se tornaria o Curió. Nome da fera, Sebastião Rodrigues de Moura, que já havia passado pelo Araguaia e lá, escreveu com páginas de sangue uma triste e melancólica história.
Pois bem, quando major, Brilhante Ustra tinha como braço direito nada mais nada menos um certo capitão, esse tal de Sebastião que assumiria o alcunha de Curió. Os dois, juntos, perpetraram os serviços mais duros destinados a eles como missão para combater os guerrilheiros do PCdo B que se agruparam por aqui.
Brilhante Ustra, chegou a coronel. Moura a tenente coronel. Os dois foram condecorados com a medalha do Pacificador. Para os militares uma das suas maiores honrarias. A dupla, que tanta dor espalhou naqueles tempos, agora voltam para as manchetes que os denunciam pelos crimes que praticaram em nome de uma ordem mundial abraçada pelos militares da ditadura.
Ai de tí, Marabá.
Agenor Garcia
jornalista