Neste domingo, acordei com imagens nítidas do tempo em que meus pais viviam nos igarapés  tocando a atividade de extração de castanha-do-pará.

Tempos bons.

Menino de 10 anos, lembro,  amava tudo aquilo: ser acordado bem cedo do fundo de uma rede coberta por um ´mosqueteiro´(espécie de imenso véu por mim batizado de “casinha de pano”, que nos protegia de muriçocas e malária) e levado pelas mãos de minha mãe até o barco que já estava carregado de castanha.

Ali, sob forte frio e névoa dominando todo o cenário, mal dava pra ver o rio Vermelho, igarapé  pelo qual nossa rota seria feita até o Itacaiúnas, e dali pra Marabá.

Durante a viagem, admirava a coragem de dona Lourdes, vestida tal e qual um homem, revólver no coldrer, realizando as mesmas atividades masculinas que exigiam  destreza e coragem nas curvas do rio, na hora de proteger a embarcação carregada até o “passeio” (limite físico de segurança da carga), e que descia o igarapé em velocidade.

No leme, meu pai, João.

Ele conhecia todos os canais.

Quantas vezes, subimos o rio Vermelho altas horas da noite, ele guiado apenas pela experiência, intuição e excessiva carga horário de transposição das cachoeiras.

Mas eu amava mesmo era viajar deitado sobre bagos de castanha, sentir  o cheiro da comida preparada num fogareiro tocado a querosene quando se aproximava a hora do almoço ou jantar.

Já por volta de cinco da tarde, dobrando a “curva do Pimenta” (propriedade onde hoje se localiza parte da Cidade Nova), quando a gente avistava o bairro do Amapá, cansado, sabia que estávamos a poucas horas de dobrar o Itacaiúnas, subindo o Tocantins, rumo de casa.

Subir o Tocantins era outro momento de satisfação.

Todos ficávamos de pé sobre a castanha coberta por lonas: mãe, pai, eu, e os trabalhadores, sob olhares de quem morava na Marechal Deodoro (hoje orla).

O “Marabazinho”, como se chamava a beira-rio, estava sempre infestado de outras embarcações descarregando castanha ou sendo preparadas para retornar aos igarapés.

Esse era o instante da exposição consagradora, quando a  gente se sentia “o máximo”, triunfalmente chegando de mais uma batalha, sob a admiração de quem nos olhava das ribanceiras.

A saudade agora me levou a revirar  velhos baús, encontrado essa foto maravilhosa que guardo com muita paixão.

Pai e mãe, lado a lado, e mais quatro castanheiros, subindo o rio Vermelho, em época de safra da castanha.

Na popa do barco, observem: um Archimedes, motor tocado a gasolina que durante três décadas facilitou o transporte dos homens da floresta. Se fosse hoje, com o preço da gasolina aos píncaros, esse tipo de motorização quebrava todo mundo.

O Archimedes “bebia” demais.