“A injustiça num lugar qualquer é uma ameaça à justiça em todo o lugar”. Foi com esta frase do ativista Martin Luther King que o juiz Raimundo Moisés Alves Flexa iniciou a leitura da condenação a 12 anos de prisão do fazendeiro Décio José Barroso Nunes, o Delsão. O mineiro, que mora há 34 anos em Rondon do Pará, foi considerado mentor do assassinato de José Dutra da Costa, o Dezinho. O júri popular realizado em Belém encerra uma luta de 14 anos por justiça empunhada pela viúva do então presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da cidade. Maria Joel Dias da Costa assumiu a presidência da entidade e passou a ser alvo das mesmas ameaças sofridas pelo marido, o que lhe levou a ser inserida em programa de proteção a testemunhas.

O juiz Raimundo Flexa destacou o transcurso normal do julgamento, iniciado às 8h da manhã e encerrado às 21h30, na capital paraense, para onde fora transferido o processo, justamente em função do poder político e econômico do fazendeiro, que poderia, segundo a acusação, influenciar o resultado em favor do réu. “Contamos com uma plenária sempre cheia e ordeira. É mostra de que meu estado tem pessoas educadas. Agradeço a maneira cortês com que se mantiveram”, reiterou Flexa.

O promotor Franklin Lobato afirmou, ao final da sentença, que se sentia satisfeito, certo de que havia sido feita justiça. Na Assistência da Acusação durante o júri, ele contou com Marco Apolo Santana Leão e Anna Cláudia Lins, advogados da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH); e José Afonso Batista, advogado da Comissão Pastoral da Terra no Pará (CPT). Também contou com a presença de observadores das organizações Justiça Global e Terra de Direitos, além de representantes da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

Um dos aspectos cruciais no júri de hoje foi o testemunho de Francisco, que é irmão do pistoleiro Pedro, também assassinado. Ele, igualmente, teve de ser inserido no programa de proteção a testemunhas e entrou no júri com rosto coberto. Esse cenário fúnebre é apenas um dos elementos freqüentes em crimes do gênero e que marcam tragicamente a vida de quem mora no Pará. Conforme descreveram os advogados durante o júri, o caso Dezinho é emblemático quando representa a realidade brasileira, onde apenas 8% dos assassinatos por conflitos no campo são levados a julgamento. É simbólico ainda por conter uma série de elementos sintomáticos do conflito agrário: grilagem de terras, denúncias de trabalho escravo, ocupação de áreas improdutivas, contrato de pistoleiros e intermediários para fazer tombar lideranças campesinas, como Dezinho.

Mais mortes e desaparecimento de testemunhas também fazem parte do mesmo processo, concentrando a responsabilidade sobre o fazendeiro Décio Nunes, inclusive no estado do Maranhão.

Advogados da Acusação lembraram ainda que a justiça brasileira, quando chega, é para os menos favorecidos. Raramente se vê cumprir pena o mandante dos crimes. No caso Dezinho, a condenação chegou ao pistoleiro Welington de Jesus da Silva, jovem de 19 anos e semi-analfabeto. Ele foi preso em flagrante e condenado a 27 anos de reclusão, mas está foragido.

Advogado de Defesa, Roberto Lauria insistiu na inocência de seu cliente; reiterou, ao menos três vezes, que, em caso de qualquer dúvida, os jurados deveriam livrar Delsão de culpa; e afirmou que não havia provas suficientes para incriminar o fazendeiro. No entanto, prevaleceu a tese da Acusação e a maioria dos jurados reconheceu Décio como autor intelectual do assassinato do sindicalista Dezinho. (SPDDH)