O poster tem comumente afirmado que, entre os Juízes de Marabá,  César Dias de França Lins,  faz a diferença – com todo o respeito aos demais.

O magistrado acabou de prolatar sentença reconhecendo o direito dos moradores do Bairro São Felix I e II de ficarem na área que um dia já foi invasão urbana . O magistrado também reconheceu que os autores da ação, o pecuarista Aurélio Anastácio Oliveira e esposa, foram prejudicados pelo Município de Marabá e pelo próprio Judiciário com sua famosa morosidade.

Vale a pena ressaltar que o juiz prolatou sua decisão extensa, e poucos fazem isso, em plena audiência instrutória após ouvir as testemunhas, alertando inclusive que Marabá não poderia ser uma nova Pinherinho, em alusão ao famoso episódio ocorrido em São Paulo, onde milhares de pessoas foram expulsas de suas casas, gerando uma forte crise institucional e social.

Ainda determinou que fosse enviado oficio ao Prefeito para que dentro da sua atribuição haja a titulação da área.

O magistrado ainda saudou a cidade de Marabá, dando um grande presente ao seu povo de aniversario pelos cem anos da terra dos belos rios, como ele se referiu ao lugar, no final da sentença:  – “Viva Marabá, terra de belos rios! Viva, Viva!”

 

Em seu despacho, César Lins lembra que a invasão dos atuais bairros de São Félix  I  e II,  teve início por volta dos anos de 1982 a 1983, quando Aurélio Anastácio exercia a posse na área em litígio, “inclusive mandou fazer abrir ruas na área com o intuito de realizar um loteamento”.

 

Diz o juiz que “de 17 de julho de 1990 até 08 de agosto de 2007 o processo ficou dormindo nos armários do Poder Judiciário”,

E não deixa de reconhecer o direito de propriedade de Aurélio Anastácio:  “Ao meu sentir, não tenho a menor duvida que os autores detinham um bom direito e que realmente os réus não só turbaram a posse deles, pois praticaram esbulho, tanto que hoje, quase trinta anos depois, o local se tornou um dos bairros mais populosos de Marabá, quiçá da região -, reconhecimento por parte deste Juiz que o autores forma vitimas da morosidade do Judiciário atrelada à conduta danosa do Município de Marabá já explicada anteriormente”.

 

 

César Lins não fecha os olhos para a contribuição que o Judiciário e o poder público municipal deram para que a situação nunca fosse resolvida:

 

“A morosidade do Judiciário, além da conduta do próprio Município, que, ao realizar desapropriações indiretas, construindo prédios públicos também na referida área, corroboraram para incentivar os munícipes, tanto da cidade quanto de fora, a povoar o local através dessas ocupações irregulares: esbulho possessório praticado pelo próprio poder público e pelos demais invasores da área.”

 

“Se o próprio Poder Publico invade, os demais cidadãos se veem no direito de fazer o mesmo, principalmente quando coloca à disposição dessas pessoas, água encanada, escolas e posto de saúde.”

 

E prossegue:

 

“Hoje, o local se refere a dois bairros superpopulosos de Marabá, São Félix I e São Félix II, que juntamente totalizam mais de 25 mil habitantes. Como resolver esta celeuma? Concedo o direito à parte autora e em consequência coloca-se toda esta demanda populacional na rua ou se mantém essa população nas suas residências em detrimento ao direito possessório e de propriedade dos autores”.

 

“O Judiciário não deve ser utilizado para a prática de políticas públicas, isto cabe ao Poder Executivo, sendo função precípua desse Poder essa atividade. Entretanto, quando este Poder Judiciário é provocado, uma solução ele tem que arranjar, pois o Juiz não pode se eximir do seu der constitucional de julgar”.

 

Juiz de Direito também lembra que “Marabá sofre hoje um grande problema de deficit habitacional, onde até o Conselho Nacional de Justiça já propôs um mutirão fundiário urbano, sem que até o momento tenha ocorrido efetivamente este mutirão, apesar das particularidades que Marabá possui, entre eles o de acolher os nossos irmãos maranhenses e sulistas em geral, no passado remoto e menos no presente.”

 

César Lins renova a crença de que o Judiciário deve julgar, também, pela ótica das questões sociais, não apenas sob a luz pura do Direito:

 

 

“Assim, no papel seria muito mais fácil conceder o direito aos autores, pois restou esclarecido a propriedade e posse deles, além do reconhecimento por parte deste Juiz que o autores forma vitimas da morosidade do Judiciário atrelada à conduta danosa do Município de Marabá já explicada anteriormente.”

 

“Contudo, um Juiz deve julgar visando atender os fins sociais, o bem comum em casos como este, evitando que aqui se torne algo semelhante ao ocorrido no Pinheirinho, na cidade de São Paulo, devendo prevalecer os ditames da Lei de Introdução do Código Civil, no seu artigo 5º, emanador destes princípios”.

 

“Esta Lei determina que o Juiz deve atender aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. Não tenho como determinar, ao meu ver, a colocação de 25 mil pessoas fora de suas residências para atender o pleito de duas pessoas apenas, pois estaria violando a referida Lei de Introdução ao Código Civil, que determina ao Juiz que toda decisão dele deve se pautar no atendimento à coletividade, à sociedade como um todo ou parte significativa dessa sociedade”.

 

Numa bela passagem da sentença, César Lins  realça que  “o Juiz não é um escravo da lei”:

 

“No caso concreto é essencial que o Juiz venha mitigar os efeitos das decisões possessórias em prol do bem comum, pois atenderá aos fins sociais que todo sistema legal, assim como constitucional, exigem de um Magistrado, na formação de sua convicção para julgamento dos seus semelhantes.”

 

“O Juiz não é um escravo da Lei, é seu articulador, pois como disse COUTURE, “O Juiz é um homem que se move dentro do direito como o prisioneiro dentro de seu cárcere”.

 

“Assim, entendo que está consolidada a situação dos antigos invasores, devendo em virtude do tempo decorrido, não serem considerados como tais e sim como moradores dos Bairros São Félix I e II, pois o tempo acalma os ânimos e consolida os direitos. Deverão os autores buscar seus direitos em ações próprias, já que em relação às áreas deste processo não há mais como discutí-la, sendo até um caso de uma impossibilidade fática de ser executada sem que haja grave lesões às pessoas que moram no local, devendo prevalecer o direito de moradia previsto nos direitos e garantias constitucionais sociais, nos artigos 5º e 6º da Constituição Federal, cláusulas pétreas instituídas pelo constituinte originário e impossíveis de serem modificadas posteriormente”.

 

Finaliza o despacho  julgando  “improcedente o pedido formulado por   Aurélio Anastácio Oliveira e sua mulher  Carmela Franco de Oliveira, em face de  Maria de Lourdes Dias da Silva e Outros, extinguindo o processo com julgamento do mérito, e assim consolidando a posse em poder de quem se encontra na respectiva área em litígio, com fulcro no artigo 269, I, do Código de Processo Civil”.

 

Determina também que se oficie o  “atual prefeito do Município de Marabá para que dentro da sua atribuição constitucional haja providenciando os títulos a fim de que estes saiam da clandestinidade e passem a ter a propriedade consolidada pela posse de anos na área em que estejam efetivamente morando”.

 

César Lins lembra também que este é o primeiro processo julgado, que se tem conhecimento, na primeira instancia referente a s causas de grandes invasões, sendo um marco nos  100 anos que o município de Marabá está prestes a completar.