João Lima reage, em comentário ao post “Visão antagônica“:

Visão antagônica ou constatação da realidade?
A atividade florestal na Amazônia, pelo menos nos últimos quarenta anos, obteve vários sinônimos, mas estes foram muito mais ligados aos efeitos do sistema do que aos seus processos ou até mesmo às suas causas. Na verdade, como acontece na maioria das vezes, trata-se o problema desmatamento, por conveniência ou por falta de conhecimento, com uma simplicidade e superficialidade desproporcionais à gravidade da situação. Quem desmata a floresta amazônica nem sempre segura o machado ou acelera a motosserra. Muitas vezes, o desmate de vastas áreas de floresta tem suas origens em outros lugares e não necessariamente na floresta.
A evolução chegou a tal ponto na Amazônia que hoje existem pequenas unidades de produção familiar espalhadas por um amplo território que se denominou de “fronteira” onde o campesinato foi se instalando a partir de políticas de integração. O Estado tem funcionado como o principal indutor do desmatamento, através de grandes projetos, aberturas de estradas, sem que, no entanto, fosse realizado o devido planejamento estratégico dessa ocupação territorial, que culmina em um paradoxal estado de desenvolvimento, devendo-se considerar a necessidade de reconhecer o desmatamento legal como uma forma de alcançar o desenvolvimento sustentável (Alencar et al., 2004).
Essa ocupação nem sempre se estabeleceu considerando a principal função estrutural da madeira. A madeira que é um precioso bem florestal, amplamente utilizado pela humanidade, apesar de haverem outros que a superam em várias qualidades, ainda estará presente no mercado por um longo tempo (Lino et al., 2005). É por essas e outras razões, que muitos na Amazônia viveram o fenômeno do “sol vermelho”, quando observavam o sol através da fumaça espessa oriunda das queimadas, que lançaram toneladas de gases na atmosfera. Geralmente os fatores socioeconômicos que resultam na conversão de florestas em outros tipos de uso da terra não são considerados no desenho de ações governamentais de combate ao desmatamento (Alencar et al.,2004), como se observa com a produção da mandioca no Brasil que chegou a gerar quase R$ 5 bilhões em 2004, com cerca de 14milhões de toneladas produzidas, com produtividade média de 13,4toneladas por hectare no Brasil, que pode ser considerada baixíssima quando se observa a produtividade média do Estado de São Paulo que foi de 28,4 toneladas por hectare, por conta das diferenças tecnológicas, climáticas e de solo entre as demais regiões brasileiras em relação aquelas de São Paulo (Parreiras, 2007).

Os estudos publicados por Hébette (2004a) demonstram ao longo de uma análise de trinta anos que os processos políticos e os projetos de investimento e, principalmente numa visão mais política, as intervenções e incentivos através da ação do poder público por intermédio da legislação, foram importantes para a transformação da paisagem amazônica e tiveram profundos impactos sobre o campesinato e sobre as populações tradicionais, muitos deles negativos, como o êxodo rural, o desmatamento, a ocupação territorial desordenada e o trabalho escravo, sendo que algumas medidas propiciaram os grandes conflitos agrários, a exemplo do massacre de Eldorado dos Carajás.

É neste contexto que Andrade (2001) reconhece a importância do poder público como indutor do desenvolvimento sustentável na Amazônia e recomenda aos governos, estadual e federal, que definam claramente os pólos de desenvolvimento socioeconômicos e as suas vocações específicas, priorizem a elaboração do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE), em escalas compatíveis para esses pólos, criem mecanismos capazes de incentivar a adoção de inovações tecnológicas aos processos de uso da terra e apóiem as atividades de pesquisa para o aprimoramento das práticas de manejo integrado no uso dos recursos naturais. As pequenas atividades rurais devem ter acesso a tecnologias produtivas e aos bens públicos e privados adequados para comercializarem seus produtos, sendo que os investimentos privados, melhorias tecnológicas e bens públicos requerem que as essas pequenas atividades rurais ganhem o bastante para que eles possam poupar, investir e pagar as taxas para o governo para que este último possa manter tais despesas (Barret, March 1-2, 2007).

Vale ressalvar que o Estado funciona como um indutor no processo de colonização da região Amazônica como aconteceu com a abertura da Belém-Brasília no processo de integração territorial à capital de Juscelino Kubitschek, de acordo com as análises de Hébette e Marin (2004), ou no que concerne a sua ação direta ou indireta e seus efeitos nos investimentos privados.

A ocupação territorial também é um fator que contribui de modo efetivo para os índices de desmatamento na Amazônia e conforme observado anteriormente poderá afetar as áreas sob regime de concessão, principalmente quando as forças indutoras do processo ocupacional são flagrantes, no caso da Amazônia. Esta região já não é mais como foi um dia. Quatrocentos anos atrás, ninguém monopolizava o solo; a terra era um bem comum; servia a todos para todos plantarem, caçarem e colherem as frutas (Hébette, 2004b). Lele et al. (2000) já observaram uma redução na taxa de desmate da região durante a década de 90, que era de aproximadamente 13.000km² ano-¹, sendo que as causas dessa redução eram ambíguas, pois apesar dos subsídios à expansão agrícola terem sido reduzidos, a agricultura cresceu devido à globalização, liberação das políticas de mercado, desvalorização da moeda e avanços tecnológicos, incluindo aumento das exportações e da lucratividade da agricultura.

Os retornos da agricultura são tão poderosos na Amazônia Oriental que a conversão de áreas tende a continuar mesmo se as políticas florestais forem modificadas para aumentar a lucratividade e a produtividade do manejo florestal Lele et al. (2000). Isso, no entanto, se potencializa quando se percebe na Amazônia um fenômeno sem fim sobre a migração e a necessidade constante de novas áreas resultante ou do êxodo dos filhos de agricultores, como é o caso constatado no início do Movimento dos Sem Terra (Hébette e Marin, 2004).

Assim, esses pequenos e pobres da Amazônia, na ponta do que, erroneamente, sob a ótica do autor, se chama de “garimpo”, poderiam ser os milionários ou “euronários” se as políticas fossem mais locais, através de um processo de descentralização em co-responsabilidade entre município, estado e União, sem atritos desnecessários.

Poderiam também ser os ricos capazes de gerar pagamento de taxas e impostos oriundos da renda do Carbono seqüestrado ou da neutralização de emissões se os CDM deixassem de significar “Chinese Development Measures”, já que praticamente só os chineses acessam os recursos disponíveis no mercado. Poderíamos vivenciar uma nova realidade onde o pequeno agricultor teria qualidade de vida, com uma renda advinda da regeneração natural ou induzida das suas áreas de preservação permanente ou da sua reserva legal de oitenta por cento.