“Não é dado a membros do Ministério Público impor seu entendimento pessoal aos demais agentes do Estado, mas apenas a vontade da lei. E esta vontade somente pode ser verificada por meio de um estudo desapaixonado e aprofundado do projeto e de todos os seus atos”.

É o que diz um dos parágrafos da dura nota que  a Advocacia Geral da União (AGU) publicou esta tarde ameaçando denunciar os procuradores da República, no Pará,  que tentarem questionar o licenciamento da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, sem fundamentos jurídicos consistentes.

Mais, no portal do Diário do Pará.

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atualização às 19:09

A reação do MPF à nota da Advocacia-Geral da União:

O Ministério Público Federal (MPF) no Pará divulgou nesta quarta-feira, 3 de fevereiro, texto em resposta à nota pública em que a Advocacia-Geral da União (AGU) afirma que poderá recorrer ao Conselho Nacional do Ministério Público e ajuizar ações de improbidade contra os responsáveis pelo ajuizamento das ações referentes à Usina de Belo Monte. Veja a íntegra da resposta do MPF:

“A pretexto de posicionar-se quanto ao licenciamento prévio concedido para a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, a Advocacia-Geral da União divulgou nota pública em que aponta desvio de conduta na atuação do Ministério Público Federal no Estado do Pará.

Tais críticas, em tom ácido, parecem desprezar que um Estado democrático não se constrói com base na coerção, direta ou velada, provenha ela de onde vier.

O embate de ideias e o debate quanto à extensão da proteção constitucional ao meio ambiente e ao patrimônio público, bem como a obrigação do Estado brasileiro de proteger minorias étnicas e sociais são temas que não se amoldam a discursos fáceis ou a arroubos de estilo.

Desde 1997, o MPF vem acompanhando e abertamente discutindo as várias questões sociais, ambientais e patrimoniais que se inserem no complexo projeto da Hidrelétrica de Belo Monte e sobre elas nunca se furtou ao cumprimento de suas funções.

Ao contrário do que faz parecer a nota divulgada pela Advocacia-Geral da União, nenhum juízo de valor definitivo foi externado pelos membros do MPF, quer quanto ao comportamento de servidores públicos federais, quer quanto ao teor da recém-divulgada licença de instalação concedida pelo Ibama. E mais, a posição até aqui externada não se baseia em “postura preconceituosa, precipitada e desprovida de análise técnica e jurídica consistente”, e, sim, no desenrolar de uma análise impessoal, objetiva e cuidadosa, resultado do acompanhamento por quase treze anos de inúmeras discussões que vem sendo travadas e da qual participaram diversos membros do MPF e suas instâncias internas de coordenação e revisão. Não há, então, nem mesmo resquício da quebra da impessoalidade e da isenção que se exige dos agentes públicos.

Tal constatação, todavia, não afasta alguns fatos concretos:

1 – em diversas oportunidades, quer em juízo, quer administrativamente, o MPF deixou claro que vários vícios procedimentais estavam sendo praticados (tais como a realização meramente formal de audiências públicas, que, na forma como conduzidas, obrigariam um ribeirinho atingido pela obra a se deslocar de 200 a 255 quilômetros para falar por, no máximo, três minutos) e que tais erros implicariam na nulidade da licença que viesse a ser concedida;

2 – ainda durante a fase de análise do licenciamento, o MPF sustentou (e continua a fazê-lo) que estudos que seriam necessários para a análise prévia não poderiam ser postergados e, portanto, se era obrigação, por exemplo, estudar os impactos da obra sobre a população ribeirinha como um dos elementos do diagnóstico do Estudo Prévio de Impacto Ambiental, não poderia a licença prévia transformar tal obrigação em condicionante, jogando para o futuro aquilo que era obrigação do passado.

Estes dois exemplos demonstram, claramente, que não há açodamento e que as conclusões iniciais não se construíram em horas, mas, sim, em anos de acompanhamento de um processo que envolve bem mais do que o marketing oficial ou a vontade soberana de quem quer que seja.

É necessário, dentre outros temas, que o Estado brasileiro assuma quais os dados reais desta obra, tais como seu custo (se R$ 9,6 bilhões, como declarado no licenciamento, ou algo entre R$ 22 bilhões e R$ 30 bilhões como se anuncia agora), sua capacidade de produção de energia (já que a propaganda oficial insiste em divulgar 11 mil megawatts, deixando de anunciar que tal produção ocorrerá em apenas poucos meses de alguns anos e que estima-se uma produção efetiva de energia não superior a 4 mil megawatts), que condicionam a viabilidade econômico-financeira da obra e os impactos de tais decisões sobre o modelo de desenvolvimento sustentável que se pretende implantar.

É necessário que a sociedade brasileira efetivamente veja suas instituições públicas funcionando, com o MPF exercendo sua função de fiscal da atividade estatal, com o Ibama velando por um licenciamento adequado e com a AGU atuando na defesa do Estado brasileiro, todos de forma responsável, sem incidir no risco da prematura condenação quanto às críticas aos atos administrativos.

A crítica e o debate franco não deveriam, ainda hoje, causar tanto desconforto em quem ocupa funções públicas e deve estar aberto a ouvir a sociedade e a cumprir a obrigação da transparência e do respeito à ordem jurídica à coisa pública.

Ao MPF a crítica é bem-vinda, será sempre considerada, mas não resultará no abandono de suas obrigações e no cumprimento de seu papel, com lealdade e sem arrogância.”

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nova atualização às 20:06:

Agora é a Procuradoria Geral da Repúbloica quem sai em sustentação aos seus procuradores regionais. Nota à imprensa assinada pelo PGR acada de ser liberada:

A Constituição conferiu ao Ministério Público, entre outras, a atribuição de impugnar atos do poder público que afrontem suas próprias disposições e demais normas constantes do ordenamento jurídico.

No cumprimento da referida missão constitucional, não é possível ao Ministério Público, como gostariam muitos, excluir da sua atuação determinados atos em razão da sua relevância, por mais justificada que seja, para políticas governamentais. Por isso mesmo, é inevitável que, com freqüência, os seus desempenhos institucionais criem embaraços a empreendimentos governamentais que, de alguma forma, estejam em desacordo com a lei.

É precisamente o que se verifica no caso de hidrelétricas no norte do país, em que a atuação do Ministério Público atende não à vontade pessoal de seus representantes mas ao que determinam a Constituição e as leis e certamente não será obstada pelo aceno de medidas que, alegadamente dirigidas contra supostos abusos e desvios, revelam intuito intimidatório.

O Procurador-Geral da República não se omitirá diante de condutas indevidas de membros do Ministério Público, que deverão ser apuradas pelos órgãos internos e pelo Conselho Nacional do Ministério Público. Jamais deixará, entretanto, de apoiar e defender firmemente todos que se empenham no exercício pleno e regular das atribuições constitucionais do Ministério Público.