O texto é polêmico, mas corajoso.

Inoportuno, também, por que publicado no meio de clima de comoção nacional,  diante de assassinatos de tantas crianças no interior de um colégio.

Tenta contextualizar a existência de vários outros Wellington, o matador de Realengo, soltos por esse país, numa tentativa de levar as pessoas à reflexão ao fato de que todo dia a sociedade, queiram ou não, está produzindo mentes doentias.

Publicado no Terra Magazine, sob título “Eu te perdoo, Wellington”, o catarinense Marco Antônio Salgado Mendes já provocou a publicação de quase 2.300 comentários ao post, que o blog faz questão de reproduzir na íntegra, mas com link para a origem da publicação.

 

 

Eu te perdoo, Wellington

Marco Antônio Salgado Mendes

 

Em nome da minha humanidade eu te perdoo, Wellington, ao compreender teu desespero, a falta de esperança e perspectiva, os desejos sublimados, massacrados. Perdoo tua ânsia por ser compreendido, escutado, aceito. A necessidade de amor e carinho que o levou ao maior non sense abjeto que estava ao alcance das mãos. A carência de sexo; bom, farto, seguro; o desejo inconsciente, insatisfeito, por um gozo espumante e vívido.

Nós ajudamos a esculpi-lo com a cultura da violência; a ti entregamos os instrumentos que o transfiguraram num animal feroz, selvagem e despeitado, que foi em busca da revanche pelos beijos recusados ou pelas zombarias que tanto o espezinharam. A ti distraímos nos momentos de lazer, ensinado-o a cultuar o valor da força bruta, da guerra, do sangue, do ódio, da violência, em detrimento do amor, da sabedoria, da libido ou da cumplicidade generosa. A ti presenteamos, por intermédio de Papai Noel, com joguinhos letais enaltecendo a
destreza em liquidar “o outro”, um ser desalmado e sem coração. A ti louvamos a insensatez da castidade, num mundo permeado por infindáveis apelos eróticos.

Não deixamos que a tua sexualidade se manifestasse tal como a sentias; pior, sequer permitimos que a tua sexualidade aflorasse. Ela foi
convenientemente subjugada, é possível, pelos ditames grotescos de doutrinas religiosas despreparadas para auxiliar o homem a expressar-se com toda a humanidade hedonista que lhe é inerente; e quiçá também foi sufocada por possíveis constrangimentos vividos no universo familiar ou escolar. Fostes execrado por companheiros e colegas que mal compreendiam a própria pulsão, jovens também desorientados ou espezinhados, que inevitavelmente transmutariam em violência e ódio, a latência de seus múltiplos desejos imanentes.

Fostes violentado?

Solidão, timidez, rejeição, estranheza, carência… Vivestes rodeado pela intolerância e preconceito, e ainda por cima nem eras um gato “lindo e gostoso”, que pudesse compensar com visual estereotipado, a dificuldade que tinhas (apesar do desejo certamente incontestável) de aproximar-se de garotas e garotos da tua idade.

Te assumistes um paria. Ao desvencilhar-te da tua humanidade abristes mão de pertencer à casta onde se encontram homens e mulheres tranquilos, permitindo-se viver as peculiaridades que lhes são inerentes, mas onde também se escondem os que vingam com violência sorrateira e muda, as insatisfações ou frustrações, sobretudo quando superpostas aos apelos da sexualidade.

Nos ensinastes, menino. Contigo aprendemos a nos observar, e a conhecer melhor os teus semelhantes, embora eu não esteja totalmente seguro de que tão cruéis ensinamentos se reverterão em lições duradouras. Possível que em breve as esqueçamos, no afã de nossas vidas velozes, displicentes e fúteis, sem tempo para atentar que bem ao lado escondem-se anônimos Wellingtons, clamando pela compreensão de si e necessitando aceitação e calor humano; carecendo expressar-se com todos os atributos e potencial que definem uma personalidade e caráter.

Não te transformes garoto, num ídolo da apologia do apocalipse, pois temo que muitos estarão dispostos a seguir o exemplo, prontos para derramar ódio insano, se também eles concluírem que nada mais vale a pena, a não ser a premência por saciar o anseio de vingança, como que num plágio grotesco: parem o mundo porque vou descer e levarei comigo os que me molestaram e humilharam.

Especulamos: possuías uma carga genética que o predestinava ao mal? Os transtornos da personalidade te eram peculiares? Um psicopata? Paranoico? Neurótico? Esquizofrênico? Psicótico delirante? Portador de distúrbio bipolar, transtorno de personalidade antissocial ou de delírio crônico? Pervertido? Louco? Devemos encará-lo como um predestinado ao mal, ou fostes condicionado através de infindáveis e cruéis influências mundanas, sorrateiras e solertes?

Tua vida transcorreu em ambiente onde os males que afligem a alma e o inconsciente eram percebidos como passíveis de tratamento? Ainda que não fosse possível a cura de tais doenças do espírito, não teremos desenvolvido, em pleno terceiro milênio, o conhecimento e os meios para tratá-los e controlá-los, neutralizando os efeitos nefastos?

Execrá-lo é caminho para fechar os olhos às motivações do trágico desfecho de vidas inocentes. Perdoá-lo – talvez uma nobre postura adequada à nossa humanidade – é compartilhar responsabilidades pelo que aconteceu em Realengo, em 7 de abril de 2011.