O repórter Leonencio Nossa começou a escrever, para o Estadão, revelações exclusivas de Sebastião Curió sobre a Guerrilha do Araguaia. De cara, o major da reserva do Exército contesta números das próprias forças armadas segundo os quais 25 guerrilheiros teriam sido exterminados no Bico do Papagaio. Os arquivos de Curió garantem a morte de 41 executados.
Dada a sua importância para a nossa história, a matéria, que está também no Estadão on line, é transcrita a seguir:
Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o major Curió, o oficial vivo mais conhecido do regime militar (1964-1985), abriu ao Estado o seu lendário arquivo sobre a Guerrilha do Araguaia (1972-1975). Os documentos, guardados numa mala de couro vermelho há 34 anos, detalham e confirmam a execução de adversários da ditadura nas bases das Forças Armadas na Amazônia. Até hoje eram conhecidos 25 casos de guerrilheiros mortos.
Dos 67 integrantes do movimento de resistência mortos durante o conflito com militares, 41 foram presos, amarrados e executados, quando não ofereciam risco às tropas. A reportagem de O Estado de S. Paulo revela ainda a lista inédita dos guerrilheiros mortos no Araguaia, disponível apenas para assinantes.
Até a abertura do arquivo de Curió, eram conhecidos 25 casos de execução. Agora há 16 novos casos, reunidos a partir do confronto do arquivo do major com os livros e reportagens publicados. A morte de prisioneiros representou 61% do total de baixas na coluna guerrilheira.
Uma série de documentos, muitos manuscritos do próprio punho de Curió, feitos durante e depois da guerrilha, contraria a versão militar de que os mortos estavam de armas na mão na hora em que tombaram. Muitos se entregaram nas casas de moradores da região ou foram rendidos em situações em que não ocorreram disparos.
Os papéis esclarecem passo a passo a terceira e decisiva campanha militar contra os comunistas do PC do B – a Operação Marajoara, vencida pelas Forças Armadas, de outubro de 1973 a janeiro de 1975. O arquivo deixa claro que as bases de Bacaba, Marabá e Xambioá, no sul do Pará e norte do Estado do Tocantins, foram o centro da repressão militar.
DESCRIÇÕES
O guerrilheiro paulista Antônio Guilherme Ribas, o Zé Ferreira, teve um final trágico, descrito assim no arquivo de Curió: “Morto em 12/1973. Sua cabeça foi levada para Xambioá”. O piauiense Antonio de Pádua Costa morreu diante de um pelotão de fuzilamento em 5 de março de 1974, às margens da antiga PA-70. O gaúcho Silon da Cunha Brum, o Cumprido, entrou nessa lista. “Capturado” em janeiro de 1974, morreu em seguida. Daniel Ribeiro Calado, o Doca, é outro da lista: “Em jul/74 furtou uma canoa próximo ao Caianos e atravessou o Rio Araguaia, sendo capturado no Estado de Goiás”.
Só adolescentes que integravam a guerrilha foram poupados, como Jonas, codinome de Josias, de 17 anos, que ficou detido na base da Bacaba, no quilômetro 68 da Transamazônica. Documento datilografado do Comando Militar da Amazônia, de 3 de outubro de 1975, assinado pelo capitão Sérgio Renk, destaca que Jonas ficou três meses na mata com a guerrilha, “sendo posteriormente preso pelo mateiro Constâncio e ‘poupado’ pela Força Federal devido à pouca idade”.
Curió permitiu o acesso do Estado ao arquivo sem exigir uma avaliação prévia da síntese, das conclusões e análises dos documentos. Ele disse que essa foi uma promessa que fez para si próprio. Passadas mais de três décadas, a história da terceira campanha ainda assusta as Forças Armadas: foi o momento em que os militares retomaram as estratégias de uma guerra de guerrilha, abandonadas havia mais de cem anos.
“Até o meio da terceira campanha houve combates. Mas, a partir do meio da terceira campanha para frente, houve uma perseguição atrás de rastros. Seguíamos esse rastro duas, três semanas”, relata. “A terceira campanha é que teve o efeito que o regime desejava.”
Um dos algozes do movimento armado na Amazônia, ele mantém um costume da época: não se refere aos guerrilheiros como terroristas, como outros militares. “Em hipótese alguma procuro denegrir a imagem dos integrantes da coluna guerrilheira, daquela juventude”, diz. “O inimigo, por ser inimigo, tem de ser respeitado.”
Ele ressalta que, como um jovem capitão na selva, tinha ideal: “Queria ser militar porque queria defender a pátria, achava bonito. Alguns guerrilheiros tinham os mesmos ideais que nós. Mas nossos caminhos eram diferentes. Eu achava que o meu caminho era o correto. Eles achavam que o deles era o correto. Não eram bandidos, eram jovens idealistas”.
No livro “A Ditadura Escancarada”, o jornalista Elio Gaspari diz que “a reconstrução do que sucedeu na floresta a partir do Natal de 1973 é um exercício de exposição de versões prejudicadas pelo tempo, pelas lendas e até mesmo pela conveniência das narrativas”. E emenda: “Delas, a mais embusteira é a dos comandantes que se recusam a admitir a existência da guerrilha e a política de extermínio que contra ela foi praticada”.
MOTIM
Essa política de extermínio fica um pouco mais clara com a abertura do arquivo de Curió. Pela primeira vez, a versão militar da terceira e decisiva campanha é apresentada sem retoques por um participante direto das ações no Araguaia.
Curió esteve envolvido no motim contra o presidente Geisel (1977), no comando do garimpo de Serra Pelada (1980-1983), na repressão ao incipiente Movimento dos Sem-Terra no Rio Grande do Sul (1981) e à frente de uma denúncia decisiva no processo de impeachment de Fernando Collor (1992).
O arquivo dá indicações sobre a política de extermínio comandada durante os governos de Emílio Garrastazu Medici e Ernesto Geisel por um triunvirato de peso. Na ponta das ordens estiveram os generais Orlando Geisel (ministro do Exército de Medici), Milton Tavares (chefe do Centro de Inteligência do Exército) e Antonio Bandeira (chefe das operações no Araguaia). Curió lembra que a ordem dos escalões superiores era tirar de combate todos os guerrilheiros. “A ordem de cima era que só sairíamos quando pegássemos o último.”
“Se tivesse de combater novamente a guerrilha, eu combateria, porque estava erguendo um fuzil no cumprimento do dever, cumprindo uma missão das Forças Armadas, para assegurar a soberania e a integridade da pátria.”
Val-André Mutran
25 de junho de 2009 - 05:17Hiroshi, Leonêncio me foi apresentado aqui no Planalto Central por uma amiga em comum.
Ele é setorialista do Estadão e atua no dia a dia do Palácio do Planalto e tem um livro muito bom publicado com seu colega da Folha de S. Paulo Eduardo Escolese, que também cobre o mesmo assunto.
Lançaram a quatro mãos: Viagens com o Presidente.
Editora: Record
Ano: 2006, quando eu estava de mudança para cá.
São 279 págs de uma leitura leve e que revela os bastidores de algumas das mais sérias decisões de bastidores do governo Lula, então mergulhado em Waldomiro Rodrigues, Mensalão e posteriormente, Sanguessugas e outras… Ih! Mano velho, coisonas mais.
Ambos são repórteres de muitas fontes.
Há mais de seis anos Nossa interessou-se pela história da Guerrilha do Araguaia.
Em várias viagens que fiz à região sem passar por Marabá. Topei com o meu amigo entrevistando Curió, caladinho… Bloquinho na mão. Olhos espertos, e muita atenção ao que o homem que dizimou a ameaça comunista em nossas plagas, afinal, confiou.
Os arquivos não são material manuscritados ontem.
São de 1.a e o próprio Curió me disse isso.
Acho legal você contrapor as outras versões: isso é jornalismo.
Mas, Curió, no final da vida, confiou em Leonêncio para abrir seus arquivos.
Esse será o novo livro do gajo.
O Estadão vai ter que esperar mais um pouco para saber toda a verdade e os parentes da vítimas também.
O resto, só no livro.
Abs.
Anonymous
23 de junho de 2009 - 15:47Não me espanta as revelações de Curió , eu sei que ainda existem coisas muito mais escabrosas a serem reveladas . Será que alguém sabe contar o destino dos corpos?
Sem corpos não há crime.
Ele só revelou isso agora porque tem certeza que não pagará por seus crimes. Ou ninguém lembra que o mesmo foi poupado em um julgamento há poucos dias.
Anonymous
22 de junho de 2009 - 23:57Hiroshy, a segunda alternativa é a mais viável, principalmente agora que o Prefeito cassado de Curionópolis perdeu a mulherzinha novinha e levou o que pode do sacripanta.
Hiroshi Bogéa
22 de junho de 2009 - 14:33Certamente, buscando absolvição do Juízo Fonal pelos crimes praticados ou uma boa grana do Estadão pelas "memórias" encravadas. A segunda é mais crível, já que 'cramunhão'o aguarda de boca aberta.
Jeso Carneiro
22 de junho de 2009 - 12:53Hiroshi, o que te parece essas revelações tardias do major-prefeito Curió?