Anônima envia mensagem perguntando se o poster “ainda lembra quem foi o Mizôyo?”.

E reforça, completando que hoje, 22 de março, o personagem completaria 58 anos, vivo estivesse.

Para os mais íntimos, Mizôyo era Osorinho, até os dias de hoje, meu melhor amigo.

Poeta, o sonho dele era concluir o curso de Veterinário, em Goiânia, e retornar a Marabá, definitivamente.

Aos 23 anos, jogando futebol de salão – um de seus prazeres de vida -, estupidamente caiu morto no meio da quadra, na capital do Goiás.

O coração com o qual ele sempre conversava, havia lhe pregado uma peça.

Tinha uma das melhores coleções de MPB da época.

O pôster e ele disputávamos quem mais comprava LPs.

Adorava declamar poemas de Augusto dos Anjos, Manoel Bandeira e Fernando Pessoa.

                          – “Cunhado” (como ele me chamava), Pessoa é o que existe de melhor na poesia universal.

Tinha um poema de adoração dele, repetido em rodadas noturnas de violão, nas quais ele pedia o solo da música “Casa do Sol Nascente”, para a declamação esperada:

“Sossega, coração! Não desesperes!
Talvez um dia, para além dos dias,
Encontres o que queres porque o queres.
Então, livre de falsas nostalgias,
Atingirás a perfeição de seres.”

Declamava, sorvendo cerveja, mas nunca chegava à estrofe final.

                      – Como meu coração não tem sossego, não posso terminar o poema -, justificava.

E a gente soltava aquele “ora…”, de indignação.

Osorinho cantava Pessoa fazendo bem às pessoas que lhe cercavam

Filho de família rica tradicional de Marabá, isso pra ele pouco importava. Desbunde total. 

Não ilustrava o tipo “Maurício” dos tempos dourados, porque não lhe fazia bem à alma.

No íntimo, queria amar, sonhar, escrever poemas, ler bons livros, cantar e ser feliz.

Só isso.

Tenho, em meus baús de memórias, algo inédito da produção pessoal dele, manuscrito a próprio punho, numa folha de guardanapo do bar Batukão, enquanto eu tocava Samba da Benção, de Vinicius.

“Quando a canção toma conta do meu ser
Eu me perco em devaneios
Que me transportam até você
E ao focar a imagem de teus seios
Meu corpo se põe a responder

Os momentos de prazer intenso
Trespassam-me numa sucessão de imagens
As quais me deixam os sentidos tensos,
Desesperados por uma nova viagem
Em teu corpo de traços densos”

Plínio Pinheiro, irmão de Osorinho, repassou a mim, tempo desses, envelope recheado de poemas e cartas escritas pelo mano falecido em 1975, com o pedido de que eu desse destinação útil ao conteúdo espiritual do saudoso amigo.

Material está comigo, aguardando o momento exato de disciplinar agenda para recuperar esse tempo de transcendência de Osório.

Como diz a anônima amiga, “o tempo ainda não apagou…”

Passados 35 anos de sua morte, somente hoje mergulhei na profundidade da última estrofe do poema “Sossega, coração! Não desesperes!”, de Fernando Pessoa, que Osorinho tanto refugava:

“Sossega, coração, contudo! Dorme!
O sossego não quer razão nem causa.
Quer só a noite plácida e enorme,
A grande, universal, solente pausa
Antes que tudo em tudo se transforme”

Osorinho, segundo à direita, com sua barba inseparável.