Editorial deste domingo do Diário do Pará:

A censura é, sob todos os pontos de vista, uma aberração. Sua imposição é execrável e incompatível com a vida democrática. É a característica mais marcante das ditaduras e regimes de exceção. Representa a face mais tirana do Estado, pois impõe a noção de que as pessoas devem ter suas vidas controladas por algo (ou alguém) mais poderoso. Essa restrição de liberdade é tanto mais danosa quando diz respeito à atividade da imprensa.

Prega o dito popular que o pior cego é aquele que se recusa a ver. Mostrar a realidade das ruas, sem disfarces, é uma das características do noticiário policial dos jornais, desde sempre. Que direito tem a Justiça de impedir que essas imagens, mesmo chocantes, cheguem aos olhos da população? Por que duvidar da capacidade de discernimento crítico dos leitores? Jornais são vendidos, não invadem à força corações e mentes. Quem porventura discorda da linha editorial de um veículo, por algum eventual excesso, tem o direito legítimo de reivindicar reparação através das instâncias judiciais. É assim que funciona em todas as democracias do mundo. E assim funcionava no Pará, até a última terça-feira.

Esse entendimento, até então consensual e acatado por todos, foi quebrado pela decisão da 4ª. Câmara Cível Isolada do Tribunal de Justiça do Estado, que, seguindo voto da desembargadora-relatora Eliana Abufaiad, deu guarida a um agravo de instrumento movido pela Procuradoria Geral do Estado, Movimento República de Emaús (Cedeca) e Sociedade de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) contra o DIÁRIO DO PARÁ e mais dois jornais da cidade, determinando que evitem “a publicação de fotos/imagens de pessoas vítimas de acidentes e/ou mortes brutais que impliquem ofensa à dignidade humana e ao respeito aos mortos”. Se descumprida a decisão, cada jornal pagará multa diária de R$ 5 mil.
Integram a 4ª. Câmara Cível Isolada do TJE, além da desembargadora Eliana Abufaiad, os desembargadores Maria do Carmo Araújo e Silva, Maria de Nazaré Saavedra Guimarães e Ricardo Ferreira Nunes. São todos responsáveis por essa interferência indevida no funcionamento dos jornais. Arvoram-se a editores, com poder de veto ao material que deve ou não ser publicado. Em resumo: decidem o que o leitor deve ler e ver nas páginas impressas. A decisão atenta contra o artigo 5º. da Constituição Federal, apelidada justificadamente de “Cidadã” e promulgada há exatos 21 anos. Ao longo dessas duas décadas de democracia e respeito às leis, nenhum jornal paraense foi vítima de ato tão lesivo e afrontoso à liberdade.

A ação civil, capitaneada pelo Estado, foi impetrada quando Belém coincidentemente era alvo de uma explosão de violência, sem que os órgãos de segurança conseguissem conter a criminalidade. Ante a impossibilidade de alterar a realidade caótica e brutal, visível nas ruas a qualquer hora do dia, o caminho escolhido pela 4ª. Câmara Cível Isolada foi punir seus efeitos, proibindo as fotos e imagens “chocantes”, como se a vida real fosse um mar de rosas. Sem remédios para a doença, a Justiça paraense decidiu matar o paciente.
A censura representa a ausência de liberdade. Quando a imprensa é amordaçada, todos perdem. No Brasil moderno, de espasmódicos períodos de democracia plena, sendo que o atual é o mais duradouro, um dos traços delineadores do Estado democrático de direito é o respeito irrestrito à Constituição. Em seu artigo 5o., no capítulo dos Direitos e Garantias Fundamentais, a Carta Magna diz exatamente o seguinte: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

Preservar a liberdade de expressão não deve ser uma bandeira apenas dos profissionais da imprensa, mas missão de toda a sociedade. O direito à informação deve ser preservado a qualquer custo por todos os que (ainda) acreditam numa sociedade mais justa e igualitária.
Avesso a qualquer forma de intimidação ou cerceamento, o DIÁRIO DO PARÁ vai recorrer da decisão em respeito à sua linha editorial, comprometida com o jornalismo sério e consequente, diretamente responsável pela liderança no mercado de impressos do Pará. Essa atitude visa também resguardar o direito dos leitores, únicos legitimamente autorizados a julgar a conduta e a linha editorial de um jornal.