Advogado Plínio Pinheiro Neto, ex-deputado estadual, encaminha comentários sobre a  questão fundiária  e seus  desdobramentos  no Sul do Pará:

 

Caro Hiroshi.

Nem sempre sou compreendido em minhas interpretações e análises de certas ocorrências de nosso dia a dia, no entanto, não posso demonstrar preocupação com isso e, sempre e sempre, acima de tudo, devo manter-me coerente com os princípios que norteiam minha conduta de vida e minha visão profissional, como advogado.

Como bem sabes, milito há treze anos, quase que exclusivamente na área do Direito Agrário e nesse tempo, já posso contar quase 100 processos de desapropriações em que atuei ou estou atuando, sendo que, só no TRF1, em grau de recurso, estão 65 deles. Por 13 anos, por conseguinte, tenho vivido as emoções, as tensões e os queixumes de quantos se vêem prejudicados pelas agressões ao seu patrimônio, pela frieza e insensibilidade dos órgãos fundiários, que propositadamente, voltam seus olhares e seus ouvidos apenas para um dos lados e pelo temor que todos tem, sobretudo grande parte do Judiciário, de serem alvo das críticas da imprensa internacional, quando se desagrada aos chamados movimentos sociais.

Portanto, acompanho bem de perto tudo que diz respeito a esta minha área de atuação profissional e, creio que recentemente, o caminho encontrado para tentar buscar a solução para o não cumprimento dos mandados possessórios pendentes, não foi o melhor e tampouco o mais feliz, eficaz e objetivo. Trazer a Senadora Kátia Abreu para uma reunião com fazendeiros, na qual ela divulgou o seu intuito de patrocinar a intervenção federal no Estado, em nada contribuiu para por fim ao impasse. Alguns podem ter se sentido satisfeitos, sobretudo, aqueles que vêem sempre as coisas pelo lado político e passadas as eleições sempre permanecem nos palanques, como se os eleitos não passassem a impor a sua autoridade sobre todos e tivessem, por diante, o encargo de atender a todos, tenham ou não votado neles. 

Qual a ajuda que a sua catilinária contra a Governadora trouxe para Marabá e região, ou para os fazendeiros que tem a ameaça de invasões sempre pendente sobre seus imóveis? Que sentido prático e imediato? Estivesse eu na reunião, teria pedido a palavra para dizer que muito mais preocupante do que o não cumprimento dos mandados possessórios, é o rumo que os processos de defesa da posse estão tomando no âmbito das varas agrárias, pois, quando toda a documentação dos imóveis está correta, busca-se penalizar o proprietário sob o aspecto do passivo ambiental, de irregularidades no relacionamento trabalhista ou do descumprimento da função social da propriedade.

Entendo com a devida venia dos meritíssimos julgadores, que a legislação específica, quer ambiental ou trabalhista, permite a utilização de várias alternativas para recomposição das situações vulneradas e que, apenar-se alguém com a negativa da defesa possessória, antes que lhe tenha sido permitido socorrer-se dos favores legais, é agir precipitadamente e com rigor exagerado. 

Igualmente, é de se ter muita cautela no manuseio do assunto “função social da propriedade”, pois a Constituição Federal leciona que o imóvel que não cumprir a função social, será passível de desapropriação, mas não diz que o proprietário ficará impedido de obter a defesa possessória. Nesse sentido decidiu, recentemente, o Egrégio TRF1, afirmando que ao Juiz nas ações possessórias é defeso perquerir quanto a função social da propriedade, devendo ater-se, tão somente, a análise do domínio. E ainda, sendo o Juiz Estadual incompetente para assuntos de reforma agrária, que é privativa da União, seriam válidas sob o aspecto da constitucionalidade, as suas solicitações ao Incra para realizar vistorias comprobatórias de tal função social da propriedade que poderão conduzir a uma desapropriação?

Sob o mesmo ângulo, temos a atuação da Ouvidoria Agrária Nacional, que foi criada para dirimir conflitos, através de ações administrativas, tão somente, e que, sob as complacentes vistas do Judiciário, manifesta-se nos autos judiciais, requer a suspensão do cumprimento de liminares, dá-se ao Direito de redigir um manual impondo regras para o cumprimento dos atos judiciais no âmbito agrário (liminares) e requer às Corregedorias dos Tribunais de Justiça Estaduais que sejam aplicadas regras para a concessão de liminares, que conflitam com toda a legislação pertinente à matéria, sendo de pronto atendida. Mais absurdamente, no caso do Pará, foi atendida por um simples ofício de cinco linhas dirigido pela Corregedoria aos Juízes das Varas Agrárias. Criou-se, pois, um quadro preocupante para todos os que recorrem à proteção possessória nas Varas Agrárias e que requer imediata ação das entidades representativas dos proprietários rurais, de forma muito mais urgente do que patrocinar e assistir ao proselitismo político da Senadora que nos visitou.

Tudo o que acima relato, a vôo de pássaro, pois analiso aqui apenas superficialmente a matéria, que é da mais alta indagação e merece um tratado. Fi-lo, apenas para concluir que mais oportuno e objetivo, teria sido preparar um trabalho jurídico esgotando as nuances da tramitação e apreciação dos processos nas Varas Agrárias e discutir o assunto com Excelentíssimo Senhor Presidente do TJE/PA e quem sabe, com o Conselho Federal de Justiça.

Quanto a intervenção federal no Estado, é admissível que venha a ser solicitada pelos dirigentes da FAEPA, já que esta representa os fazendeiros e deve defender seus interesses, porém, não concordo com as acerbadas críticas a Governadora. Quero adiantar que jamais conversei com a Governadora, embora a conheça, de vista, há muito tempo e há décadas me afastei da militância política, porém, considero que devemos exigir que as autoridades de outras unidades da Federação, que visitam o Pará, respeitem as nossas autoridades constituídas. Se permitirmos que desrespeitem nossas autoridades, em pouco tempo nós também estaremos sendo desrespeitados. 

Penso, raciocinando com lógica e justiça, que não se pode lançar a culpa tão somente sobre os ombros da atual governante, pois o MST foi alimentado e fortalecido, pelos Governos anteriores, que igualmente deixaram de cumprir várias decisões judiciais, que hoje se somam a algumas mais recentes, de responsabilidade da atual mandatária maior de nosso Estado.

Pelo que sei o MST não tem personalidade jurídica, pois não tem CNPJ, é, portanto, um fantasma, sob o aspecto legal, e, não obstante, por longos anos, o Governo tem sentado à mesa com ele, tem discutido e feito concessões. O direito de ir e vir dos cidadãos é desrespeitado e nada se faz. A Câmara Federal é depredada e nada se faz. A fazenda do ex – Presidente da República é invadida e nada se faz. Os prédios públicos são invadidos e nada se faz. Vê-se, pois, que a condescendência com o desrespeito aos Direitos da maioria dos cidadãos vem de longa data e o MST que a principio era visto com grande simpatia e era quase unanimidade, hoje, não encontra mais ressonância tão favorável nos índices das pesquisas de opinião pública, pelo exagero e radicalismo de suas manifestações.

Nós paraenses nos bastamos a nós mesmos e não necessitamos de ajudas estranhas. Também não devemos servir de palanque para as projeções políticas de quem quer que seja. Sempre existem caminhos para a solução dos problemas, basta encontrar os agentes certos, preparar os dispositivos corretos e adequados e por os pés por eles.