São 16h45.
Começo a escrever qualquer coisa. Assim, sem compromisso pra escrever nada.
Nesta terça-feira, 14 de julho, eu quero tomar um porre. Um grande porre.
Nem vou esperar chegar à noite, momento sublime para as viradas de copos.
Porque tenho pressa, medos, angústias, algo perturbador a inquietar minha alma carregada de choro.
Sempre me assusta a possibilidade de perder um filho, a mulher, os pais. Peço sempre que eu seja o primeiro, entre orações que faço e a crença de que nascemos para ser enterrados.
Jamais, nunca assistir ao velório de filho ou filha.
Como disse, escrever qualquer coisa sem a preocupação de textualizar nada.
Quero ficar bêbado neste final de tarde, sentir um porre que quis sentir diversas vezes, mas nunca cheguei lá.
Particularmente, já tive medo da morte. Hoje, não tenho mais.
Mas fico triste, acabrunhado, quando perco um amigo. Ou pessoa de minha família que me seja grata.
De Mário Quintana, uma frase sobre a morte, agradavelmente simpática:
– “Morrer, que me importa? (…) O diabo é deixar de viver.”
A vida é tão boa! Pra que deixá-la, assim, sem quê nem pra que?
Historinha contada por um jovem casal amigo, ao ser acordado pela filhinha de cinco anos, pegando no rosto do pai ainda sonolento:
– “Papai, quando você morrer, você vai sentir saudades?”
Sem saber o que responder diante da pergunta inesperada da filha ao meio de pesado sono, o amigo nem teve tempo pra pensar. A resposta veio na ponta da língua da menina:
– “Não chore, que eu vou te abraçar…”
Na mais plausível explicação freudiana, a filhinha do amigo sabia que a morte é onde mora a saudade.
Diante desse papo, o que alivia a escuridão da morte é saber que a literatura tem o poder de ressuscitar os mortos.
Aprendi com Albert Schweitzer que a reverência pela vida é o supremo princípio ético do amor.
E essa vida, qual seu significado? De um ser humano, mais precisamente? Quem e o que a define? O coração que continua a bater num corpo aparentemente morto? Ou serão os ziguezagues nos vídeos dos monitores, que indicam a presença de ondas cerebrais?
Confesso que, na minha experiência de ser humano, nunca me encontrei com a vida sob a forma de batidas de coração ou ondas cerebrais. A vida humana não se define biologicamente. Permanecemos humanos enquanto existe em nós a esperança da beleza e da alegria. Morta a possibilidade de sentir alegria ou gozar a beleza, o corpo se transforma numa casca de cigarra vazia.
Intrigante a mim é saber se dores acompanham a morte.
É apavorante, a imagem de permanência num leito de hospital cercado de aparelhos e tubos corpo à dentro, sem que eu nada possa fazer, porque já nem dono de mim sou.
Não quero morrer num leito de hospital.
Tenho pavor de que essa passagem seja demorada.
Bom seria, depois de anunciada, a bichinha surgisse rápida, mansa.
Sem dores, longe dos hospitais, em meio às pessoas que se ama, e a visões de beleza.
Há dores que fazem sentido, como as dores do parto: uma vida nova nascendo.
Mas há dores que não fazem sentido nenhum.
Meu velho e querido avô materno Tufy, com quem praticamente vivi minha adolescência em Belém, na Generalíssimo Deodoro, morreu assim, sofrendo dor inútil num hospital.
Qual foi o seu ganho humano? Nenhum!
Dizem as escrituras sagradas: “Para tudo há o seu tempo. Há tempo para nascer e tempo para morrer”.
Dizem também que a morte e a vida não são contrárias. São irmãs.
Mas deveria haver uma especialidade para que se cuidasse, com ludicidade, dos que estão morrendo.
Cuidar da vida que se prepara para partir, sem dor, sem traumas, sem delongas.
Mansa, e longe de UTIs, cercado dos poucos amigos que se têm.
Já disse a parentes que meu canto último de despedida seja permeado pela voz de Milton Nascimento.
Eu quero que seja assim, um último porre de canção, antes da despedida final.
“Caçador de Mim” resume o que são almas irrequietas e teimosamente sonhadoras buscando salvar o mundo.
Ao Juca, um brinde, pra sempre à nossa amizade.
Por tanto amor
Por tanta emoção
A vida me fez assim
Doce ou atroz
Manso ou feroz
Eu caçador de mim
Preso a canções
Entregue a paixões
Que nunca tiveram fim
Vou me encontrar
Longe do meu lugar
Eu caçador de mim
Nada a temer senão o correr da luta
Nada a fazer senão esquecer o medo
Abrir o peito à força numa procura
Fugir as armadilhas na mata escura
Longe se vai
Sonhando demais
Mas aonde se chega assim
Vou descobrir
O que me faz sentir
Eu caçador de mim
Hiroshi Bogéa
18 de julho de 2009 - 18:54Tim, tim, meu grande amigo. Cuide-se, ao lado da Lúcia que tanto te ama. E viva a vida intensamente… Vou visitar o Flanar…comos emrpe faço. Bom final de semana a vcs.
Val-André Mutran
18 de julho de 2009 - 17:31E assim são as coisas, professor.
Estou finalizando o upload de um tributo musical ao meu mestre, caro Hiroshi, a ser publicado, daqui a pouco, no Flanar.
Essas coisas de sintonizar quem faz o bem a quem admiramos, sem hipocrisias, e nós dois sabemos as armadilhas da hipocrisia de nosso egoísmo, egocêntrismo… É um ponto de parada para reflexão.
Veja só, desde cêdo, bem antes de ler esse post, Lúcia ao meu lado ao escutar a seleção que fazia, disse:
– Val tá muito bom.
Passe lá no Flanar e ouça também.
Faça melhor. Baixe e grave um CD.
A Lúcia e eu te mandamos um abraço e beijo.
Estamos saindo agora mesmo para que eu, possa tomar o meu porre.
Ela dirige a nave de volta.
Tim, tim. Grande Juca.
Tim, tim. Professor.
Anonymous
16 de julho de 2009 - 18:33Eu também temo a morte,a minha talvez não,mas de entes queridos,os "velhos" já foram,mas cumpriram sua missão,isso ameniza.Creio que temer a morte,mostra que temos pouca fé em Deus,o criador.Acho que a criação que recebemos também nos tira serenidade para encarar esse único e inevitável momento.O único refúgio,sem dúvida,é Deus.
Hiroshi Bogéa
16 de julho de 2009 - 00:08Foi grande, sim, o porre. Por volta de 2 da manhã voltei pra dormir, 8:47 PM.
Hiroshi Bogéa
16 de julho de 2009 - 00:07Mas vamos reagir, Marcelo. Afinal, a vida segue. Já estive em seu blog. Amei a descrição artística do André. Abs
Hiroshi Bogéa
16 de julho de 2009 - 00:06Nilson, você foi na dose certa. Escarafunchou bem. Valeu, garoto.
Hiroshi Bogéa
16 de julho de 2009 - 00:05Evoluir, espiritualmente mais ainda. Gostei, Lu. Bjos
Anonymous
15 de julho de 2009 - 23:47Eita porre!
blog do bacana-marcelo marques
15 de julho de 2009 - 21:25Quyisera eu escrever assim, direto a alma. Hiro, estamos todos perdidos, eu ando numa tristeza…
Mas pedi para o artista André Farias fazer uma homenagem ao Juca chegando ao Céu, passa lá no blog para ver
abraços
Anonymous
15 de julho de 2009 - 13:12Hiroshi,
Sua crônica revela muito.
A canção do Milton reflete nossa caçada em busca de nós mesmos , mas não nos dá em nenhum momento a sensação de que encontraremos algo
que seja, pelo menos, alentador.(SERIA COBRAR DEMAIS DO ARTISTA).
Nos deixa sempre com aquele gosto de " sabão na boca".
Não sei, posso estar falando bobagens, mas perder mestre Juvêncio, a quem não conhecí pessoalmente, só através do seu e do blog Quinta Emenda, nos deixa assim, com vontades comuns.
Desculpe, acho que exagerei um pouco.
NILSON
Anonymous
15 de julho de 2009 - 12:16Já dizia Allan Kardec: "Nascer, morrer, renascer ainda e evoluir sempre: tal é a lei."
Evoluir…
É o que a vida espera de nós!
Luciana Moreira
Hiroshi Bogéa
15 de julho de 2009 - 12:15Sábias palavras do autor, Olinto. E mais uma vez agradecimentos pela sua presença carinhosa no blog. Felicidades.
Hiroshi Bogéa
15 de julho de 2009 - 12:13Você tem razão, professor Alencar. Atentos, sempre, pra continuarmos escrevendo uma bela história na blgosfera. Todos nós. Abs
Hiroshi Bogéa
15 de julho de 2009 - 12:10Deury, compartilhemos então os mistérios dessa avasaladora força incontrolável. Valeu, parceiro.
OLINTO
15 de julho de 2009 - 02:46Olá Hiroshi, postei um texto do Rubem Alves a respeito da morte, há duas ou três semanas passadas. É algo realmente cheio de mistério; laça de uma forma avassaladora, sem se importar com o que (e quem) fica. Meus sentimentos à família do Juvencio.
"A morte é a única conselheira sábia que temos. Sempre que você sentir, como sempre acontece, que tudo está errado e que você está ao ponto de ser aniquilado, volte-se para a sua morte e pergunte-lhe se assim é. Sua morte lhe dirá que você está errado. Nada realmente importa, a não ser o seu toque. Sua morte lhe dirá: ‘Ainda não o toquei.' "
A morte fala sem usar palavras. E o interessante é que a morte nunca fala sobre ela mesma. Ela só fala sobre a vida. Basta pensar nela para que a gente ouça a sua voz silenciosa nos perguntando: “E a sua vida, como vai? O que é que você está fazendo com o tempo que lhe resta?” Quem ouve essa pergunta está a caminho de tornar-se sábio."
JOSÉ DE ALENCAR
15 de julho de 2009 - 01:18Meu caro Hiroshi.
O luto é importante para sair dele e continuar na vida.
Tudo o que o Juvêncio queria é que você continuasse sua luta aí na sua – dele também – Marabá.
Anonymous
15 de julho de 2009 - 00:23Grande Hiroshi,
Os mistérios que envolvem a vida e a morte também sempre foram os meus pesadelos. Vivo dizendo a todo mundo que a morte nada mais é do que o nosso teletransporte para outra dimensão mas, no fundo, morro de medo desse momento que vai chegar, mais cedo ou mais tarde, tão enigmático e silencioso sem que jamais estejamos prontos.
Neste momento quero compartilhar contigo nossas assombrações a cerca da morte.
Então, Hiroshi, tim tim!
Deury Farias