O desembarque em Marabá, na tarde desta segunda-feira, da  Comissão Nacional da Verdade,  para realizar diligência de reconhecimento da antiga “Casa Azul”, já chega com atraso de alguns anos.

Desde quando se sabe que havia uma guerrilha na região do Bico do Papagaio, comandada por jovens idealistas que não tiveram outra opção para combater a ditadura que não usar as armas, a intensa movimentação, no início dos anos 70,  de militares entrando e saindo  na atual sede do Dnit, próximo a ponte sobre o rio Itacaiúnas,  sempre repercutiu  para a maioria dos marabaenses como algo suspeito e carregado de mistérios.

O espaço era usado,  sim, para atos de tortura de pessoas  que se opunham ao golpe militar de 1964.

Quantas vezes  moradores do bairro do Amapá – onde se localiza o imóvel –  comentavam de gritos  desesperadores  ecoados altas madrugadas, originários da chamada “Casa Azul”!

À época, trabalhando como despachante da Varig, o poster sentava-se no carro de bagagem, dentro da pista do aeroporto, ao redor  de demais trabalhadores da agência local da companhia aérea, para ouvir, em tom de murmúrio já que o tema era proibido, o saudoso “João Pretinho”, um dos mais antigos  “rampeiros”  (aquele que trabalhava  colocando e tirando bagagem do porão das aeronaves) da voadora, contar que ele e família, como demais vizinhos, ouviam “gritos estranhos” vindos da casa usada pelos militares e agentes do SNI (Serviço Nacional de Informação).

Curioso, o blogueiro fazia mil indagações a João Pretinho, mas ele falava o mínimo, com medo de ser preso.

Pedro Correa Cabral, então capitão-aviador e piloto de helicóptero, conta em um livro ( “Xambioá, Guerrilha do Araguaia”) a importância da chamada “Casal Azul” para as ações do Exército e do SNI, no combate a guerrilha.

Na obra, o hoje  coronel da reserva narra detalhes de como se procediam as sessões de tortura dentro da hoje sede do Dnit.

Dificilmente, algumas vítimas das barbáries cometidas pelo ditadores da época tenha escapado com vida, dentro da Casa Azul.

Pedro Correa Cabral não revela, no livro, se os jovens do PCdoB exterminados na “Casa Azul” tenha sido enterrados, pelo menos alguns deles, às margens do Itacaiúnas, mas conta que tortura havia.

Como também revela, na obra, como os torturadores enterraram o corpo de Suely Yomiko Kanayama, 25 anos, militante do PC do B que se instalou no Araguaia em 1971.

Suely  Yomiko Kanayama  havia sido morta no final de 1974. Seu corpo estava enterrado num local chamado Bacaba, onde, sob a coordenação do Centro de Informações do Exército, CIE, foram construídas celas e se interrogavam os prisioneiros. Durante a operação limpeza, sua cova foi aberta e o corpo de Suely, desenterrado. Intacto, sem roupa, a pele muito branca, não apresentava nenhum sinal de decomposição. Apenas marcas de bala. Um militar tentou erguer o cadáver com uma pá, mas ele escorregou. Tentou de novo. A mesma coisa. Mais uma vez. O corpo de Suely voltou para a cova. Irritado, o militar deu um grito impaciente.    – “Se não quer vir por bem, venha aqui, nos braços do papai.” Saltou para dentro da cova, abraçou-se ao cadáver e o trouxe para cima. Desenterrado, o corpo de Suely foi colocado num saco plástico e levado até um helicóptero, que o transportou para um ponto ao sul da Serra das Andorinhas, a 100 quilômetros de distância, embaixo de uma palmeira frondosa. Ali, alguns brasileiros fizeram uma pilha de cadáveres de outros brasileiros, também desenterrados de suas covas originais. Cobertos com pneus velhos e gasolina, foram incendiados. A fogueira de carne humana, ossos e borracha ardeu em labaredas imensas, fazendo uma fumaça escura e tão espessa que podia ser avistada a dezenas de quilômetros.”

 

A  queima de cadáveres fazia parte da “operação limpeza”, recurso clássico de todo conflito militar, depois de encerrada a guerrilha.

Para não deixar nenhum registro de sua passagem por ali,  muitos militares foram convocados para queimar documentos e esconder cadáveres.