Desde 1987 a Fundação Casa da Cultura de Marabá vem trabalhando na Serra das Andorinhas. Inicialmente nossa atenção foi despertada pelas gravuras rupestres da Ilha dos Martíri¬os. Constatamos, porém, que a região oferecia muito mais que isto.

Nesta pequena área com cerca de 60.000 hectares, localizada no municí¬pio de São Geraldo do Araguaia, foram identificados 08 ecossistemas distintos (cerrado/ cerradão, floresta mista, floresta densa, floresta semidecídua, floresta galeria, parque, campo litológico e floresta de várzea); 113 sítios arqueológicos; 5.740 gravu¬ras e pinturas rupestres; grutas e cavernas, a maior delas com mais de 1.000m de desenvolvimento; 570 espécies de animais vertebrados, dos quais 25 estão na lista dos ameaçados de extinção, estruturas ruiniformes; 212 espécies de árvores de grande porte; 30 cachoeiras, algumas com mais de 70m de queda livre; 84 espécies de orquídeas; 51 espécies de plantas medici¬nais. Além disso, a Serra foi também palco da famosa Guerrilha do Araguaia.

No decorrer dos levantamentos formou-se a idéia de articular alguma forma de preservar tão importante área. O primeiro passo foi solicitar o tombamento da Serra das Andorinhas pela Secretaria do Estado de Cultura, o que aconteceu em 22 de setembro de 1989. Neste mesmo ano mantivemos contato com o IDESP (Instituto de Desenvolvimento Econômico-Social do Pará) onde apresenta¬mos nossos levantamentos para motivar este instituto a iniciar oficialmente as discussões para a criação do Parque Estadual da Serra das Andorinhas. Em 1995 esta discussão passou a ser feita pela SECTAM (Secre¬taria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente do Pará). A criação do Parque Estadual da Serra dos Martírios/Andorinhas e a Área de Proteção Ambiental de São Geraldo do Araguaia ocorreram em 25/07/1996.
Geologia da área

A região da Serra das Andorinhas localizada no município de São Geral¬do do Araguaia-PA, encontra-se nos domínios goestruturais da faixa de des¬dobramentos Araguaia, representando um conjunto de rochas metamórficas de idade remota.

A Serra das Andorinhas é representada pela formação Morro do Campo. Esta formação encontra-se exposta na área, são rochas quartizíticas com dezenas de metros que apresentam variações petrográficas locais que modificam seus aspectos textuais e mineralógicos permitindo classifica-las como quartzo-mica-xisto, ortoquartzitos maciços, muscovita-quartzitos foliados, de espessura diversas, verificadas ao longo dos extensos paredões que delimitam as serras. Em toda a área observa-se a ocor¬rência de veio de quartzo leitoso e às vezes de bolsões de cristal de rocha. As elevações das serras têm quotas máximas em torno de 600m, apresentam-se sob a forma de cristas e topos aplainados com direção geral NNW. No topo da área de platôs são encontradas estruturas ruiniformes tidas como formas individuais da dissecação do relevo. O conjunto rochoso apresenta inúmeros abrigos e cavernas que, associados às estruturas ruiniformes (como portais, janelas, galerias, torres…), dão um aspecto labiríntico à área. (Kern et all, 1992).

A maioria das cavernas da superfície terrestre foi formada principalmente pela ação da água, esse processo resulta no alargamento progressivo das passagens até a formação de uma caverna. A ampliação gradual dessas aberturas dá origem a galerias, salões e abismos, os quais unidos num estágio mais adiantado, funci¬onam como sistemas coletores das águas descendentes e mesmo da drenagem de superfície. As galerias e vazios servem de coletores e condutores de rios e córregos que passam a compor uma complexa drenagem subterrânea. Estes cursos d’água subterrâneos por sua vez, irão ocasionar um entalhamento da rocha em diversos planos, criando novas galerias laterais ou inferiores e alargando-as em salões.

Todos os agentes de tais aberturas naturais podem ser classificados como agentes geológicos, normalmente, a formação de uma ca-verna leva alguns milhares de anos. Na área de abrangência do levantamento espeleológico, a rocha encaixante de todas as cavidades da Serra é o quartzito. (Maurity et.all, 1999). Diferenciarmos as atividades espeleológicas por nós desenvolvidas em duas ações principais: a prospecção sistemática e a documentação das cavidades
Prospecção Sistemática/caminhamentos

Os caminhamentos diários são feitos com grupos de três pessoas caminhando em linhas paralelas em distâncias de 15-20m um do outro, tendo mais atenção nas áreas com drenagens, bordas de platôs, desníveis, afloramentos rochosos e vegetação distinta dos arredores. Os caminhamentos são feitos com uso de GPS Garmin V e são plotados em mapa ao final de cada dia de trabalho, no entanto, entre 1989 e 1998 o grupo não dispunha de GPS, as cavidades foram plotadas nos mapas por aproximação em graus. Os grupos mantêm comunicação visual e também através de apitos ou rádios. Nos terrenos de maior declividade ou com vários níveis de paredões paralelos, o grupo faz duas ou até seis linhas paralelas para que possam ter plena convicção de ter feito uma boa varredura. Ao se encontrar uma cavidade natural por pequena que seja, a mesma é examinada atentamente para estabelecermos se será documentada ou não, levando em consideração os seguintes critérios:

1. Cavidade de qualquer proporção com material arqueológico superficial ou probabilidade de ser sítio arqueológico.

2. Cavidade com boca de no mínimo 10m de largura, mesmo que tenha pequena profundidade.

3. Cavidade com profundidade mínima de 5m e pelo menos 1m de altura do teto.

Na realização dos trabalhos de campo todos os integrantes da equipe usam macacões de mangas compridas, capacetes com iluminadores a baterias, luvas, perneiras e máscaras.

Documentação das cavidades
A documentação de cada cavidade constitui-se em registrar todas as informações possíveis em ficha apropriada, cujo conteúdo apresentamos a seguir:

CECAV (Centro de Estudos de Cavernas/ IBAMA) no registro no SBE (Sociedade Brasileira de espeleologia), número de registro do GEM, Tipo de cavidade, Gruta, Abrigo acidental, Abrigo sob rocha, Dolina, Fenda; Município, Local, Estado, Coordenadas, Nome e Sigla do documento cartográfico, acesso, fonte de referência, altitude, água mais próxima, fotografia, croqui, ressurgência, unidade Geomorfológica, desenvolvimento, desnível, rocha encaixante, espeleotemas/descrição e localização, vestígios arqueológicos, solo, fauna da cavidade/vertebrados, colônias de morcegos, guano, entomofauna, fauna do entorno da cavidade, flora do entorno da cavidade, conservação, fósseis, descrição da cavidade, uso do solo do entorno, uso do ambiente endógeno e intervenções realizadas, relevância, equipe, Responsável pelo Cadastro, local, dia, mês e ano do preenchimento da ficha e quem a preencheu.

Quanto ao desenvolvimento, as maiores cavidades da área são: Caverna Serra das Andorinhas com 1.010m, localizada na região SW do Parque, em seguida está a Caverna Catedral na região NW do Parque com 415m. Na seqüência está a Caverna das Araras no extremo norte do Parque com 292m, em seguida vem a Caverna Nobilior na região E do Parque com 261m. A cavidade seguinte é a Caverna Cheiro com 167m, localizada nas nascentes do igarapé Gameleirinha na região NE. Ainda há a Caverna Remanso dos Botos com 125m, localizada no extremo sul do Parque, há também a Caverna Mogno com 116,8m situada no oeste do parque, a Caverna Cachoeira com 116m nas nascentes do Igarapé Gameleirinha.

Finalmente, a Caverna Doida com 100m de desenvolvimento, localizada na região leste do Parque. A grande maioria das cavidades tem pequeno desenvolvimento, com média entre 8 e 20 metros.

Desde 1987 a Casa da Cultura de Marabá vem realizando estudos na serra das Andorinhas em várias áreas do conhecimento, tanto que foram estes estudos que propiciaram a criação do Parque Estadual do Martírios/Andorinhas e APA de São Geraldo do Araguaia em 22 de setembro de 1996.

No início dos estudos, o acesso às áreas era bastante difícil e a única maneira de realizá-los era ficando acampado, o que foi feito no período de 1987 a 1992, pelo projeto Martírios do Araguaia. O trabalho foi coordenado pela Casa da Cultura de Marabá e atuou com voluntários de várias instituições como a USP, UNB, UFPA e do Museu Emílio Goeldi, além de técnicos da Casa da Cultura e do GEM (Grupo Espeleológico de Marabá).

Como naquele tempo não dispúnhamos de GPS, as cavidades geológicas e os sítios arqueológicos eram plotados nos mapas de maneira aproximada, podendo haver erros de localização com centenas de metros! Devido a este problema e também porque na época a documentação das cavidades era bastante simplificada resolvemos colocar em prática o projeto de Recadastramento de Cavidades Espeleológicas no Parque Estadual da Serra dos Martírios/Andorinhas e a área de Preservação Ambiental de São Geraldo do Araguaia-PA, que consta em retornar à todas as cavidades (cavernas, grutas, abrigos e fendas) para redocumentá-las através de preenchimento de ficha com dados específicos sobre cada cavidade e plotação com GPS de última geração, colocação de placa metálica com a identificação da caverna para que o acesso e encontro destas cavidades seja mais fácil , mesmo porque com a imprecisão dos métodos anteriores, muitas cavidades só estão sendo encontradas porque os relatórios daquele tempo foram preservados e parte delas, só encontramos porque ainda estão em nossa memória.

Desde o início dos trabalhos percebemos o enorme potencial espeleológico da Serra das Andorinhas e hoje com o recadastramento, fica evidente que o potencial é muito maior do que pensávamos! O projeto coordenado pela Casa da Cultura tem a participação de técnicos do NEM (Noé von Atzingen; Bruno dos Santos Scherer; Maria de Jesus Almeida; Clóvis Iarossi; Evaldo Lemos; Michael Franklin Rodrigues e Pablo Vinícius) .

A partir de fevereiro de 2011 realizamos 4 etapas de campo. Trabalhamos nas seguintes áreas: Santa Cruz, Brejo dos Padres, Igarapé Paraíso, Pedra Armada, Agulhas de Pedra, Casa de Pedra e Pedral Igarapé. O projeto prevê que até o final do ano, tenhamos recadastrado todas as cavidades geológicas da Serra das Andorinhas e todas estejam devidamente cadastradas no banco de dados do SBE (Sociedade Brasileira de espeleologia) e do CECAV (Centro de Estudos de Cavernas/ IBAMA).

Nos estudos anteriores tínhamos documentado 550 cavidades geológicas no Parque e APA de São Geraldo do Araguaia. No decorrer do recadastramento descobrimos e documentamos mais de 79 novas cavidades. Com as novas descobertas a quantidade de cavidades na área chega a ser 643! Nesta fase do projeto o interesse maior é o recadastramento das antigas cavidades, e mesmo assim, sempre nos deparamos com outras novas em nossos caminhamentos. Acreditamos que ao final do recadastramento teremos mais de 800 cavernas na Serra das Andorinhas!

Fator muito importante é que cerca de 10% das cavernas estudadas foi moradia de populações pré-históricas, nelas são encontradas gravuras, pinturas rupestres, fragmentos cerâmicos e líticos, o que aumenta ainda mais o valor dos estudos espeleológicos na área.

 

Texto: Noé von Atzingen, Presidente da Fundação Casa da Cultura de Marabá