Estava aqui em casa tocando violão, e coloquei um CD de João Gilberto pra rememorar a batida de ‘Lobo Bobo’. Gosto da batida de João e sua voz macia cantando a letra ingênua de Carlos Lyra / Ronaldo Bôscoli

“Era uma vez um Lobo Mau que resolveu jantar alguém
Estava sem vintém, mas arriscou e logo se estrepou
Chapeuzinho de maiô ouviu buzina e não parou…”

De repente, começo a trocar CDs mergulhando na riqueza que foi a Bossa Nova como estilo musical com conteúdo rico e completo, porque nela se renovaram melodia, harmonia e ritmo. A bossa-nova era também uma atitude, uma maneira mais leve e saudável de ver a vida, com mais luz, sol, e mar. Nunca foi um estilo das massas, mas sempre andou pela classe média. Seus criadores eram pessoas da classe média, com cultura de classe média, e falando para a classe média. E todo mundo morando perto da praia.

Porém, a bossa-nova teve seu tempo. Não vale mais. Hoje, só é praticada no Brasil como lembrança de uma época. Não vejo mais sentido em se compor bossa-nova. Acredito que atualmente a bossa-nova tenha mais prestígio no exterior do que no Brasil. Agora, ela não deve ser esquecida, assim como o choro e o frevo também não.
O Brasil anda muito imediatista, e não dá valor à sua história.

Deixando as lembranças de lado, pego o violão e toco Cordas de Aço. Sinto arrepios diante da singeleza da canção de Cartola, gravada por Gal, Beth Carvalho, Luiz Melodia, o próprio Cartola, além de uma dezena de outros. É bom ouvi-la. Mais tocá-la.

As canções que você fez pra mim (2)
Passei horas na Internet ouvindo violão. A batida. A mão direita nas cordas. Na Net, atualmente, é o jeito rápido de ouvir os violões mais variados, fuçar, conhecer maneiras de tocar, de soar, harmonias, levadas. E interessado em coisas bem simples, acabei caindo no Bob Dylan e outros baladeiros, pra começar.

Dylan velho eu tinha ouvido sempre de orelhada, fui ouvir agora com curiosidade e caí pra trás: aquela aparente tosqueira do violão e gaita dele tem um rigor incrível. Nada fora do lugar, uma baita força expressiva no violão de poucos acordes e aparentemente poucas variações. Primeiro de tudo, o espanto de ver o que se pode fazer com três ou quatro acordes.

Depois procurei levadas. Melhor do que Jorge Ben (frescura esse lance de Benjor!), raros. A escola brasileira é extraordinária. Macalé, um toque tão suave que se ouve os harmônicos todos de cada nota. O Gil intrincado e inventivo dos anos 70, 80, sei lá. O João Gilberto, minimalista e rigoroso feito uma sinfônica de bolso, o Dorival Caymmi, que quase é um sujeito fazendo trilhas sonoras pra canções que são filmes. E o Djavan, um violão absolutamente rítmico, um jeito brasileiro de ler a pronúncia do jazz.

Maneiras de tocar violão brasileiras. E Garoto. E Villa Lobos e Egberto e o Yamandú, e tantos e tantos outros. E não tem como não pular pra guitarra. E encontro em outro site o Lanny dos discos dos tropicalistas e também as levadas de guitarra da Jovem Guarda. Um exemplo? “Quero Que Vá Tudo pro Inferno”!

Bom, estou só tocando no assunto. Aliás, chamando assuntos e nomes pra vocês fuçarem por aí. E uma sugestão tonta, nesse tempo da informação tão excessiva em que a gente de repente nem sabe mais o que é que importa ser ouvido: dêem uma nova ouvida nessas velhas coisas banais feitas ao som do instrumento mais comum do mundo. E fiquem imaginando como gentes simples fizeram canções as mais simples com uma força (emocional e estrutural: estética) danada. Que resiste ao tempo, às velocidades, às modas, aos comércios.
Fucem, e me contem.