O belíssimo texto  é do jornalista Victor Furtado, do Grupo Liberal:

O nome satírico em homenagem a um residencial de alto padrão de Belém é a marca da resistência da periferia (Sidney Oliveira / O Liberal

No bairro de Fátima — uma vez conhecido como Matinha —, um puxadinho às margens do canal da travessa Três de Maio chama a atenção pelo nome: “GreenValla – Matin Ville”. O nome satírico com um residencial de alto padrão de Belém é uma marca de resistência. É a periferia tentando garantir um espaço de lazer e cultura para o veraneio dos mais pobres, que não podem sair da capital para um balneário. É um uma mistura de rebeldia com gambiarra e criatividade. Tudo para garantir um banho quando o sol não dá trégua. Também é um gancho para a discussão do uso da cidade pelas pessoas.

Não é a primeira vez que o “GreenValla” é feito. Na primeira vez, a Prefeitura de Belém considerou uma infração ao Código de Posturas do Município e desmontou a brincadeira.  Na segunda ocasião, a medida foi mais resistente e já dura quatro anos. É o que conta Sandro Bessa, o idealizador do projeto de intervenção urbana e barbeiro, também conhecido como “Sandro GreenValla”. Ainda há uma preocupação de que a diversão possa ser legalmente interrompida de novo. Quase ele não topou fazer a entrevista.

Sandro conta que não era exatamente essa a ideia no começo. Antes do “GreenValla I”, na casa dele havia uma torneira com bica. Nos dias de calor, principalmente nas épocas de férias escolares, era para lá que a molecada da área corria. Quem estivesse empinando pipa ou jogando bola, podia chegar. Depois, o barbeiro de 45 anos pensou em fazer algo para a família e filhos dele. Montou uma pequena piscina improvisada: uma caixa d’água de 1 mil litros. Agora o espaço já tem tapumes, plantas, um bebedouro de água mineral e enfeites de material reciclado.

Fotos Sidney Oliveira / O Liberal

“Antes a molecada, quando não tomava banho na torneira aqui de casa, tomava banho na vala mesmo, no canal. Aí fiz essa piscina, depois coloquei a alvenaria e começou a chegar gente.  Vinha a criançada da rua brincar e foi ficando, fomos melhorando. Até 20h tem crianças brincando. Quis fazer um negócio diferente mesmo, em homenagem ao condomínio”, contou, bem-humorado, o barbeiro de 45 anos, que segue reforçando a importância do “GreenValla II”. Ele não esconde ter se inspirado no condomínio.

Para Lucas Nassar, arquiteto e diretor do Laboratório da Cidade, ressalta que o espaço público é a essência da cidade. Não é só parque e praça, mas também a rua e as calçadas. Quando o espaço público é inadequado ou insuficiente, se cria segregação, de guetificação. Quando a confiança e a interação diminuem, a confiança reduz e o crime acaba ocupando aquele vazio.

“Esse projeto mostra quatro aspectos: a legislação não permite esses usos espontâneos se não de acordo com regras. Precisamos de legislação que permita e fomente o uso do espaço. Mais pessoas nas ruas, mais segurança e mais qualidade de vida. Mostra que nossa sociedade está carente de espaços públicos. Esse espaço, o ‘GreenValla’, é uma inovação de interação. É importante mostrar que nossa realidade econômica não pode abrir mão desse capital social da sociedade de construir, fazer. Por fim, isso mostra que o bairro é vivo e que a população cuida e tem identidade, com muito potencial”, conclui o arquiteto. (Victor Furtado – O Liberal)