A batida forte no curimbó com dois pedaços de madeira artesanalmente preparados para a ocasião, faz o ritmo cadenciado da dança. No centro do terreiro, jovens e velhos se movimentam alegremente, cantando.

No passado, diz-se em Cametá, o Samba do Cacete era providencialmente provocada toda vez que se queria mostrar a sensualidade das pessoas do lugar. Ariscos, os cabocos corriam para cortar os cacetes na mata para usá-los na batida sobre os curimbós.

Passados séculos, até hoje o Samba do Cacete é perpetuado até em Carapajó, segundo distrito mais antigo de Cametá.

Isso no Baixo Tocantins.

Muito mais acima, em Conceição – , pegando as margens do Araguaia, a Festa do Beirarubu multiplica-se ao longo dos anos revigorando costumes dos índios Kaiapós.

E o que contar sobre a religiosidade trazida do sertão nordestino na festividade do santo padroeiro de Santana do Araguaia, São Francisco de Assis? As manifstações se espalham pela pequena cidade em procissões, missas, casamentos, batizados e casamentos – tudo num só fuzuê.

Bem perto dali, o distrito de Barreiras de Campos idolatra Nossa Senhora Aparecida, num arraial de quermesses a resgatar imagens de nossa infância de interior.

Santana do Araguaia tem um riquíssimo artesanato, a partir do aproveitamento da argila local, perpetuando a criatividade dos artistas locais na fabricação de potes.

Nenhuma sociedade, nenhum povo, seja ele atrasado ou desenvolvido, primitivo ou civilizado, jamais agirá de forma idêntica aos demais. Percorrendo o interior do Pará a gente certifica-se dessa verdade histórica em cada cidade ou currutela visitada.

Os padrões culturais mudam nitidamente de uma região para outra. A única unidade cultura existente é a unicidade do idioma -, embora com SUS alterações naturais de cada lugar.

Em algum ribanceira de qualquer rio do Pará, as conversas da entrada de noite contam estórias da Matinta Perêra. O imaginário popular, passando de pais pra filho, continua a assustar crianças com a personagem da velha vestida de preto zanzando pelos rios e igarapés com seu assobio apavorante.

Cada vez acesa e assustadora, Matinta Perêra é uma lenda viva.

Lá pras bandas do Assentamento Sapecado, às margens do rio Vermelho, vilas se formam com seus habitantes ouvindo estórias do Caipora, “o protetor dos animais e da floresta”.

Do mesmo jeito que se contava 50 anos atrás: – “o Caipora é um bicho de pêlos imensos a andar tão rápido pela mata que é impossível pegá-lo”.

Cada visita que faço às cidades do meu interior paraense, aprendendo sua linguagem humana, compreendo o ensinamento de que, sem seus padrões culturais, nenhuma sociedade, seja ela primitiva ou civilizada, teria chances de funcionar ou sobreviver. E que não basta apenas respeitá-los; é necessário perpetuá-los.

Pena que a maioria dos prefeitos municipais não compreenda a extensão dessa verdade. Se a entendesse, fariam esforços orçamentários para incluir cada vez mais suas cidades, na produção e na organização da Cultura.

Rui Barata, certamente o mais encantado dos cantadores do nosso interior, reproduz a dimensão cultural de tudo o que se registra em cada cidade paraense, no maravilhoso poema “Paranatinga”


Antes que matem os rios
e as matas por onde andei,
antes que cubram de lixo,
lixo da nossa lei,
deixa que cante contigo,
debruçado em peito amigo,
As coisas que tanto amei,
As coisas que tanto amei.

Antes que matem a lembrança,
dos muitos chãos que pisei,
antes que o fogo devore,
meu cajado de rei,
deixa que eu cante afinal.
Na minha língua geral,

As coisas que tanto amei
As coisas que tanto amei.

Araguary, Anapú, Anauerá,
Canaticú, Maruim, Bararoá,
Tajupará, Tauri, Tupinambá.
Surubiú, Surubim, Surucuá,
Jambuaçu, Jacamim, Jacarandá.
Marimari, Maicurú, Marariá.
Xarapucú, Caeté, Curimatá,
Anabijú, Cunhatã, Pracajurá.
As coisas que tanto amei,
As coisas que tanto amei