São 18h25

Do alto do apartamento, olho Belém.

Lá embaixo, quieta a cidade, poucos carros transitam pelos bairros do Reduto e Umarizal, nem parecendo estarmos em plena quarta-feira.

Do quarto, sacando a calmaria urbana, eis que me vejo, também, de pé entre dois calendários, vigia, sentinela ou outra coisa assim…

Nem viro mais a folha que marca 31 de Dezembro, ela é a última da escalada.

Outro calendário, aberto ao lado do velho, marca de vermelho 1º de Janeiro de 2009.

O ano de 2008 está indo embora.

Falta menos de seis horas para ele eclodir temporão. Indo embora como uma cicatriz indelével gravada a fogo no dorso do tempo.

De repente, me flagro imaginando se realmente o Ano está acabando. E se ninguém poderá arrancá-lo da nossa maneira de estar aqui.

Ninguém o apagará da sebenta da História, porque ele fica encravado, artesanalmente esculpido numa forma qualquer.

Não há herói capaz de torcer o seu percurso a não ser os minutos que ainda faltam.

Me flagro, assim, de pé, vigilante, abrindo a janela de par em par, dando entrada ao temporal de minutos que arrasta, em turbilhão, o Ano Novo.

Por isso aqui estou de mãos abertas, querendo atá-las a outras mãos, tantas que cheguem para acalentar o Ano-Menino que de nós virá.Por isso, de pé, juramos, em nome do Novo Ano, que o Sol nascerá sempre ao fim de cada noite.

Ano Novo
(Chico Buarque)

O rei chegou e já mandou tocar os sinos
Na cidade inteira
É pra cantar os hinos
Hastear bandeiras
E eu que sou menino muito obediente
Estava indiferente
Logo me comovo
Pra ficar contente
Porque é Ano Novo
Há muito tempo que essa minha gente
Vai vivendo a muque
É o mesmo batente, é o mesmo batuque
Já ficou descrente
É sempre o mesmo truque
E quem já viu de pé
O mesmo velho ovo
Hoje fica contente porque é Ano Novo
A minha nega me pediu um vestido novo e colorido
Pra comemorar eu disse:
– Finja que não está descalça
Dance alguma valsa
Quero ser seu par
E ao meu amigo que não vê mais graça
Todo ano que passa
Só lhe faz chorar
Eu disse:
– Homem, tenha seu orgulho
Não faça barulho
O rei não vai gostar
E quem for cego veja de repente
Todo o azul da vida
Quem estiver doente
Saia na corrida
Quem tiver presente
Traga o mais vistoso
Quem tiver juízo
Fique bem ditoso
Quem tiver sorriso
Fique lá na frente
Pois vendo valente e tão leal seu povo
O rei fica contente
Porque é Ano Novo