Aconteceu nas ruas de Recife, sob chuva. Deveria ter sido o ato de encerramento da campanha de Dilma Rousseff em Pernambuco. Virou coisa diferente.

A candidata não apareceu. Estava no Rio, para o último debate presidencial, na TV Globo. Representou-a o cabo eleitoral.

Do alto da carroceria de um carro de som, Lula mediu 3 km de asfalto. Em marcha lenta, cruzou uma aglomeração que a PM local estimou em cem mil pessoas.

Súbito, o que seria uma caminhada pró-Dilma converteu-se em apoteose de Lula. A multidão dispensou-lhe tratamento de ídolo.

O rosto de Dilma estava impresso nas bandeiras de campanha, misturadas a estandartes do PT e do MST.

De raro em raro, estimulado pelos organizadores, o séquito até entoava os jingles da candidata. Porém…

Porém, na maior parte do trajeto teve-se a impressão de que era Lula quem iria às urnas deste domingo (31).

Massagearam-lhe os tímpanos –ora com um grito novo (“Lula, guerreiro do povo brasileiro”) ora com a velha musiquinha (Olêêê, olêêê, olê, Oláááá, Lulaaa, Lulaaa!”).

Afagaram-lhe as retinas. Quem não estava na rua acenava do teto do abrigo dos pontos de ônibus, do alto dos prédios.

Que Marisa Letícia não nos leia, mas um grupo de mulheres saudou o pernambucano ilustre brandindo calcinhas vermelhas na janela.

Agregaram-se ao cordão da militância dezenas de curiosos, moradores que se animaram a descer ao meio-fio e trabalhadores que deixavam o serviço no fim da tarde.

O aniversário de 65 anos, festejado na quarta, rendeu a Lula um parabéns pra você e dois buquês de flores.

Impedido de discursar –a lei proíbe comícios na antevéspera da eleição— Lula valeu-se do tato para retribuir às atenções.

Achegou-se várias vezes à quina da carroceria. Curvando-se, alcançava as mãos que conseguiam se aproximar do automóvel.

Concluída a consagração, Lula rumou para o aeroporto. Voou para São Paulo. Tinha pressa. Não queria perder a transmissão de debate presidencial.

Um debate em que Dilma, a candidata que ele fabricou, mediria argumentos com José Serra, um tucano que ele se esforça para derrotar pela segunda vez.

Eleito em 2002, numa disputa contra Serra, Lula chega a 2010 como carrasco do mesmo Serra.

Pela primeira vez desde 1989, o rosto de Lula não aparece na urna eletrônica. Mas, a julgar pela deificação de Pernambuco, é como se aparecesse. O vídeo abaixo ajuda a entender o fenômeno.   (Josias de Souza)