A matéria abaixo tem assinatura do repórter Carlos Madeiro, publicada originalmente no portal UOL:

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Nos anos 2000, em Altamira, cidade pacata no centro do Pará, havia paz às margens do rio Xingu. A rotina de calmaria, porém, foi terminando ao mesmo tempo em que era erguida a usina de Belo Monte.

Desde o anúncio da obra, o município passou a viver uma explosão de violência que o fez ingressar na lista das dez cidades com maiores taxas de homicídios do país.

 

Segundo dados do Datasus, em 2015, o município registrou 135 homicídios –o que dá uma média de 124 mortes por 100 mil habitantes. Para efeito de comparação, a taxa é 37% maior que Honduras, país com maior taxa de homicídios do mundo, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas). No Brasil, essa média não chega a um quarto disso: 29 por 100 mil.

Para imaginar a mudança de vida, basta voltar ao ano de 2000, quando Altamira registrou apenas oito homicídios e média de 9,1 mortes por 100 mil habitantes. Em 2009 –quando a Eletrobras já solicitava a licença prévia de Belo Monte–, a taxa já era de 50,6 mortes por 100 mil pessoas. Seis anos depois, essa média saltou 147%.

“Os resultados indicaram, a partir do início da construção da usina, um vigoroso crescimento da violência, que atinge a população nos cinco municípios diretamente afetados pelo projeto em dimensões proporcionalmente muito maiores do que acontece em outras sub-regiões do Estado do Pará”, aponta o artigo “A Hidrelétrica de Belo Monte e Seus Efeitos na Segurança Pública”, dos pesquisadores João Francisco Garcia Reis e Jaime Luiz Cunha de Souza Professor, da UFPA (Universidade Federal do Pará).

“Tais municípios tiveram sua estrutura social, econômica e ambiental profundamente alterada com a chegada das empreiteiras encarregadas da construção e a migração de grandes contingentes de pessoas oriundas de todas as partes do Brasil”, complementa.

Causas e efeitos

Segundo especialistas ouvidos pelo UOL, os números da violência estão ligados à chegada das obras e recursos ao maior município em território do país (159 mil km², o equivalente ao Estado do Ceará), somada à falta de investimentos públicos no local.

“Altamira tinha problemas de segurança, sim, mas não da forma gigante como chegou”, afirma Antônia Melo, coordenadora do movimento Xingu Vivo para Sempre, que congrega várias entidades da região.

Um dos exemplos da violência foi o assassinato, em outubro de 2016, do então secretário de Meio Ambiente e Turismo da cidade de Altamira, Luís Alberto Araújo, 54.

Ele era conhecido pela atuação rígida contra a exploração mineral e o desmatamento. Após a morte, houve protesto na cidade, que cobrou apuração do caso –mas até hoje o crime não foi elucidado.

‘Lá não tem nada, é uma desgraça’

Segundo Melo, a rotina da cidade hoje é de medo. “Todos aqui dizem que perderam a paz. Hoje é assalto em todo canto, mortes. Virou um verdadeiro campo de guerra civil, não só violência física, mas da ausência de direitos das pessoas”, afirma.

Para Melo, desde a chegada de Belo Monte, o desenvolvimento propagado pelo governo trouxe consigo as drogas. “A juventude é a principal vítima disso. Em Altamira, não há mais um espaço de lazer para jovens. Antes, tinha a beira do rio, que não era poluído, para as pessoas tomarem banho. Pessoas foram transferidas de suas margens aos novos assentamentos, e lá não tem nada. É uma desgraça, não tem outra palavra”, explica.

O professor de direitos humanos do curso de etnodesenvolvimento da UFPA, Assis Oliveira, lembra que, além das mortes, o Relatório de Vulnerabilidade Juvenil à Violência de 2015 apontou Altamira como o terceiro pior índice entre todos os municípios do Brasil com mais de 100 mil habitantes.

“A violência social, e não somente a de homicídio, aumentou drasticamente a partir do ano de 2010, e isto se reflete em todos os outros índices que tenho apurado, da violência sexual, dos conflitos familiares, da violência contra a mulher e do tráfico de drogas”, afirma.

Oliveira explica que essa alta é uma soma de duas equações: o grande aumento populacional em curto período de tempo e a falta de uma preparação do território e das políticas públicas para atender às novas demandas.

“Isso tem no setor de segurança pública uma questão emblemática, pois ele não entra como parte dos investimentos das condicionantes socioambientais. Somente em 2011, portanto já no processo agudo de aumento da violência, faz-se um Termo de Cooperação entre a Norte Energia e o governo do Estado do Pará, para realizar o investimento em algumas medidas estratégicas de segurança pública”, afirma.

Para o professor, a violência na região também tem causas mais profundas, que vêm do aumento da desigualdade socioeconômica causada pela obra.

“Esta desigualdade socioeconômica só tende a crescer ao longo das etapas da obra, pois é justamente agora, no período da chamada desmobilização dos trabalhadores e vigência da Licença de Operação de Belo Monte, que ocorre uma redução demográfica e um forte baque na economia local, com maior desemprego, trabalho informal e precarização das condições de vida”, conclui.

Outro lado

O UOL solicitou uma entrevista com algum responsável ou um posicionamento oficial da Secretaria de Segurança Pública do Pará sobre o crescimento da violência em Altamira. Por e-mail e por telefone, a reportagem entrou em contato com a assessoria da pasta nos dias 22, 24 de fevereiro e 2 e 3 de março, mas até a publicação desta reportagem não recebeu qualquer resposta, apesar das cobranças.

Já a Norte Energia informou que o Projeto Básico Ambiental de Belo Monte não previa investimentos para a segurança pública na área de influência da usina. Mesmo assim, a empresa diz que firmou um convênio com o governo do Pará e investiu R$ 110 milhões nos cinco municípios da área de influência direta.

No caso de Altamira, a Norte Energia afirma que os recursos serviram para compra com helicóptero, implantação de um sistema de videomonitoramento e reforma das sedes das polícias Civil e Militar e do prédio do Instituto Médico Legal.