A canção Samarica Parteira, de Zé Dantas, foi gravada por Luiz Gonzaga no disco Sangue Nordestino, lançado pela gravadora Odeon, em 1973. O seu autor foi um dos parceiros de longas décadas do velho “Lua”.

A obra, em verdade, é um poema-canção no estilo dramático, estruturado em forma de diálogo. O compositor estabelece a possibilidade de visualização e exploração cênica das imagens criadas. Tudo isto com a finalidade de narrar um episódio da vida cotidiana de um simples trabalhador de uma propriedade rural. Este homem do campo é o narrador da história.

Estórias vividas por Luiz Gonzaga, Zé Dantas, Patativa de Assaré, Humberto Teixeira e tantos outros bravos nordestinos sobreviventes da seca esturricada.

O enredo adota um certo desafio: Capitão Barbino, dono da fazenda, pede ao seu empregado, Lula, que vá buscar a parteira. Ele obedece e volta trazendo Samarica que vai realizar o parto de D. Juvita e trazer ao mundo o primeiro filho do Capitão.

Relativamente fácil de cumprir, a tarefa apresenta, no entanto, uma situação de urgência, na qual vinham implícitos dois prazos: D. Juvita, mulher do Capitão, estava com “dô de menino” e ele “cuspiu no chão”, ordenando a volta de Lula, trazendo Samarica Parteira, “antes do cuspe secá”.

A música é ritmada, do inicio ao final, misturando sons corriqueiros do sertanejo como a carreira do animal nos diversos solos da terra pobre, ruído de água, latidos de animais e o linguajar característico – sempre enriquecido pelos versos recitados e o solo intermitente da sanfona no estio forró pé-de-serra.

Uma canção carregada de onomatopéia, um costume da fala, portanto, um recurso sintonizado com a oralidade para dar ênfase ao que está sendo dito e possibilitar uma visualização do conteúdo do signo.

O nome da criança definido por Capitão Barbino (“Bastião”) é a forma reduzida de Sebastião. Influência forte da religiosidade do sertanejo.

Juntamente com “Triste Partida”(Patativa de Assaré), a música de Zé Dantas é uma obra-prima da discografia nordestina.

Luiz Gonzaga comprova todo seu talento artístico ao teatralizar o texto.

Dificilmente surgirá como ele, tão cedo, alguém do Nordeste, com criatividade e estilo diversificado.

Oi sertão!
– Ooi!
– Sertão d’ Capitão Barbino! Sertão dos caba valente…
– Tá falando com ele!…
– …e dos caba frouxo também.
-…já num tô dento.
– Há, há, há… [risos]
– sertão das mulhé bonita…
– ôoopa
– …e dos caba fei’ também ha, ha
– …há, há, há… [risos]
– Lula!
– Pronto patrão.
– Monte na bestinha melada e risque. Vá ligeiro buscar Samarica parteira que Juvita já tá com dô de menino.

Ah, menino! Quando eu já ia riscando, Capitão Barbino ainda deu a última instrução:

– Olha, Lula, vou cuspi no chão, hein?! Tu tem que vortá antes do cuspe secá!

Foi a maior carreira que eu dei na minha vida. A eguinha tava miada.
Piriri piriri piriri piriri piriri piriri piriri
uma cancela: nheeeiim … pá…
Piriri piriri piriri piriri piriri piriri
outra cancela: nheeeiim… pá!
(…..)
Um rancho, rancho de pobe…

– Au au!

Cachorro de pobe, cachorro de pobe late fino…

– Tá me estranhan’o cruvina?

Era cruvina mermo. Balançô o rabo.

(…..)

– Samarica, ooooh, Samarica parteeeeira!
Qual o quê, aquelas hora no sertão, meu fi’, só responde s’a gente dê o prefixo:
– Louvado seja nosso senhor J’us Cristo!
– Para sempre seja Deus louvado.
– Samarica, é Lula… Capitão Barbino mandou vê a senhora que Dona Juvita já tá com dô de menino.
– Essas hora, Lula?
– Nesse instante, Capitão Barbino cuspiu no chão, eu tem que vortá antes do cuspe secá.
(…..)
– Vamos s’imbora Samarica que eu tô avexado!
– Vamo fazê um negócio Lula? Meu cavalin’ é mago, sua eguinha é gorda, eu vou na frente.
– Que é que há Samarica, prá gente num chegá hoje? Já viu cavalo andar na frente de égua, Samarica? Vamo s’imbora que eu tô avexado!!
Piriri tic tic piriri tic tic piriri tic tic
nheeeiim… pá!
Piriri tic tic piriri tic tic
bluu oi oi bluu oi, uu, uu
(…..)
– Uu uu.
– Tá me estranhando, Nero? Capitão Barbino, Samarica chegou.
– Samarica chegou!!

Samarica sartou do cavalo véi embaixo, cumprimentou o Capitão, entrou prá camarinha, vestiu o vestido verde e amerelo, padrão nacioná, amarrou a cabeça c’um pano e foi dando as instrução:

– Acende um incenso. Boa noite, D. Juvita.
– Ai, Samarica, que dô !
– É assim mermo, minha fi’a, aproveite a dô. Chama as muié dessa casa, p’a rezá a oração de São Reimundo, que esse cristão vem ao mundo nesse instante. B’a noite, cumade Tota.
– B’a noite, Samarica.
– B’a noite, cumade Gerolina.
– B’a noite, Samarica.
– B’a noite, cumade Toinha.
– B’a noite, Samarica.
– B’a noite, cumade Zefa.
– B’a noite, Samarica.
– Vosmecês sabe a oração de São Reimundo?
– Nós sabe.
– Ah Sabe, né? Pois vão rezando aí, já viu??
[vozes rezando]
– Capitão Barbiiino! Capitão Barbino tem fumo de Arapiraca? Me dê uma capinha pr’ ela mastigar. Pegue D. Juvita, mastigue essa capinha de fumo e não se incomode. É do bom! Aguenta nas oração, muié! [vozes rezando] Mastiga o fumo, D. Juvita… Capitão Barbino, tem cibola do Cabrobró?
– Ai Samarica! Cebola não, que eu espirro.
– Pois é prá espirrar mesmo minha fi’a, ajuda.
– Ui.
– Aproveite a dor, minha fi’a. Aguenta nas oração, muié. [vozes rezando] Mastigue o fumo D. Juvita.
– Capitão Barbiiino, bote uma faca fria na ponta do dedão do pé dela, bote. Mastigue o fumo, D. Juvita. Aguenta nas oração, muié. [vozes rezando alto].
– Ai Samarica, se eu soubesse que era assim, eu num tinha casado com o diabo desse véi macho.
– Pois é assim merm’ minha fi’a, vosmecê casou com o vein’ pensando que ela num era de nada? Agora cumpra seu dever, minha fi’a. Desde que o mundo é muundo, que a muié tem que passar por esse pedacinh’. Ai, que saudade! Aguenta nas oração, muié! [vozes rezando alto].Mastigue o fumo, D. Juvita.
– Ai, que dô!
– Aproveite a dô, minha fi’a. Dê uma garrafa pr’ ela soprá, dê. Ô, muié, hein? Essa é a oração de S. Reimundo, mermo?
– É..é [muitas vozes].
– Vosmecês num sabe outra oração?
– Nós num sabe… [muitas vozes].
– Uma oração mais forte que essa, vocês num têm?
– Tem não, tem não, essa é boa [muitas vozes]
– Pois deixe comigo, deixe comigo, eu vou rezar uma oração aqui, que se ele num nascer, ele num tá nem cum diabo de num nascer: “Sant’ Antoin pequenino, mansadô de burro brabo, fazei nascer esse menino, com mil e seiscentos diabo!”
[choro de criança]
– Nasceu e é menino homem!
– E é macho!
– Ah, se é menino homem, olha se é? Venha vê os documento dele! E essa voz!
Capitão Barbino foi lá detrás da porta, pegou o bacamarte que tava guardado a mais de 8 dia, chegou no terreiro, destambocou no oco do mundo, deu um tiro tão danado, que lascou o cano. Samarica dixe:
– Lascou, Capitão?
– Lascou, Samarica. É mas em redor de 7 légua, não tem fi’ duma égua que num tenha escutado. Prepare aí a meladinha, ah, prepare a meladinha, que o nome do menino…

… É Bastião.