Nossa outra Seleção.

*Glauco Lima

 

O futebol mudou muito. Mudou mesmo. Se para melhor ou para pior é uma questão para longos estudos e debates. Mas mudou para algo que deixou de ser um esporte e virou conteúdo de televisão e internet. Um produto da indústria do entretenimento, numa cadeia de negócios que envolve grandes mercados consumidores e grandes marcas de produtos e serviços. Mas ainda é o bom e apaixonante futebol. Só que não.

Do final dos anos 1970, quando eu comecei a acompanhar o futebol, formando meus times de botão, decorando escalações, recortando fotos de jornal, lendo avidamente a Placar, ouvindo todas as rádios, assistindo na TV ou indo aos estádios, o futebol mudou. A capacidade dos estádios diminui bastante e as telas dos televisores cresceram. A arquibancada agora é o sofá.

Se o futebol mudou, é evidente que a seleção brasileira de futebol mudou demais. Antes a gente via o craque surgir no nosso clube amado, crescer, fazer carreira e vibrava quando ele era convocado para seleção. Ou chorava de raiva quando ele era esquecido. A seleção tinha um, dois ou vários pedaços do nosso coração. Porque o amor incondicional é pelo Clube. Seleção é um romance fortuito.

Mas existia um envolvimento afetivo e bonito com a Seleção. O chamado escrete canarinho era o ápice, o panteão mais elevado da carreira de um jogador. Tanto que nós, torcedores dos clubes da periferia do grande futebol nacional, vibrávamos até quando um jogador do nosso Clube era chamado para a seleção olímpica ou ficado no banco num amistoso da nossa seleção principal contra as Ilhas Seychelles.

Hoje o chamado mercado da bola está ultra profissionalizado. O jogador é comprado com 14 ou 15 anos de idade e vai para a Europa ainda totalmente desconhecido. Faz carreira por lá, brilha em campeonatos acompanhados só pelos mais fanáticos. E quando a gente vê, aparece na nossa seleção como um estranho que surge do nada na nossa sala de estar numa reunião de família. Quem é esse famoso que eu não conheço? Será que posso amá-lo? Será que ele me ama?

Os jogadores mais top de linha ganham tanto dinheiro, vivem num mundo tão high society, que as vezes a seleção nem exerce tanto fascínio neles com deveria exercer em qualquer brasileiro. Não se pode criticar o jogador por ir jogar fora do Brasil. Convocar só quem joga aqui, seria como dar um prêmio de consolação aos que não conseguiram por seus méritos e talentos, um bom contrato no exterior.

Na última década, a economia do Brasil cresceu e, em alguns casos, os clubes brasileiros já conseguem repatriar nacionais e trazer alguns estrangeiros para animar o nível dos campeonatos. Hoje só existe futebol forte onde o capitalismo é forte. E quem sabe o capitalismo brasileiro cresce e entra nessa grande ciranda de Tv, consumo, marcas e futebol, mudando os rumos dessa partida atual.

A verdade é que a seleção continua verde, amarela, azul e branca, mas a cor do dinheiro mexeu com tudo. Não é uma questão de dizer que hoje é pior que ontem, ou que ontem era pior que hoje. A verdade é que a relação é outra. Nosso casamento com a equipe nacional de futebol profissional é outro. É mais difícil de amar, é mais complicado se envolver e vamos ter que desenvolver um laço novo. Coisas desse indefinível terceiro milênio.

(*) – Glauco Lima é publicitário