Título do post ilustra também a titulação de texto do professor da Universidade Federal do Sul/Sudeste do Pará, Jorge Luiz Ribeiro,  “com mais de cinquenta anos e muita poesia na vida”, conforme ele mesmo resume sua biografia.

 

As observações de Jorge ocorreram durante a passagem da chamada “Cavalgada da Expoama”, realizada no dia de abertura da Exposição Agropecuária de Marabá, sábado último.

 

 

 

A anticavalgada

Jorge Luis Ribeiro

 

Começo dedicando esta crônica a quem odeia o latifúndio e faz cara feia para o agronegócio. Digo isso para que os desavisados parem de ler por aqui. Porque vou falar de um outro lado, ou seja, falo da anticavalgada.

Eis que inocentemente, eu caminhando pela Feira da 28, vejo grupos com sombrinhas e caixinhas de cervejas na calçada da VP 08. Estranhei. Perguntei para um senhor, despojado em sua cadeira de praia, se teria sorteio do “carajás da sorte”, ou algo do tipo, que justificasse aquela discreta, mas crescente concentração. Ele responde que aguardavam a cavalgada. Aquela, que emporcalha as ruas de merda de cavalos, aquela que exibe os chapelões latifundiários, que espora e chicoteia os cavalos, que maltrata equinos, muares, nossos ouvidos e nossa paciência, enfim, aquela que antecede a “expoama”.

Me misturo na horda curiosa nas beiras da VP 08, surge um carro de som com uma ensurdecedora narrativa de rodeio, chata, barretiana, gritante, apelativa. E daí vem um desfile de merdas de cavalos pela pista. Ouve-se zunir de chicotes nos lombos suados das montarias sedentas, o tinir de metais nas bocas dos animais, freios, cabrestos, arreios, argolas brilhando peso e dor, com todas as conotações que estes apetrechos nas metáforas do povo que observo, os patrões possam imprimir.

Desfilam rosetas de esporas sangrando os ventres dos cavalos, muitos copos “stanley” conservando a embriaguez ao arreio, latas de cervejas atiradas aos cantos. De repente, um simpático cavaleiro nota minha camisa do cruzeiro assistindo atônito o desfile, o único ser que saiu neste domingo de sol e azul de Marabá acreditando no meu time, ele me saúda gritando para mim, “zero, o melhor time do mundo”. Penso:… menos, série B, mas o litro de “old par” pela metade na mão dele balançando explica tudo, tá valendo…

Outro cavaleiro jovem e ousado, faz o cavalo andar para frente e para traz, ir, voltar, rodopiar, e exibir diante da plateia suada de admiração e tédio. E o jovem vaqueiro, hoje vira cowboy. O que não fazem um chicote de couro, uma espora afiada de estrelas cortantes, uma bota de couro “texana” e o chapéu “pralana country”.

Fazendas empresas uniformizam peões e patrões. Peões e vaqueiros passam sorridentes e esporeiam as ancas expostas ao sol, são vaqueiros orgulhosos e satisfeitos, sem carteira assinada, sem cômputo de horas extras nas madrugadas dos currais, nas horas escaldantes das cercas e cercanias da vida em jornada exaustiva. Mas hoje é cavalgada…

Os cavaleiros, as damas nas charretes, fazem tudo parecer alegria e ostentação. Acho que poucos não gostaram do desfile que eu acho meio de horror e maus tratos, mas não só eu: eu, os animais seviciados no calor e na sede, e uma menininha que chorou ao ouvir um chicote sem dó zunido ora no asfalto, ora na anca de um manga larga machador: “mãe, porque está batendo nele, mãe… quero ir embora”. Concordei com ela, peguei minha bicicleta, pedalei para longe dali.