Entrevista 2

 

 

 

Como podemos melhorar as cidades e o que podemos fazer juntos pelo lugar onde vivemos?

Esse o tema da palestra que o jornalista  André Palhano proferiu, ao vivo na Internet, semana passada, e que teve este blogueiro entre seus ouvintes, usando streaming oferecido na rede para acessá-lo.

Cercado por jovens universitários, autoridades municipais e militantes ambientalistas, André falou cerca de 50 minutos, abrindo em seguida o debate para pessoas presentes no auditório da PUC e através de chats.

Gente engajada nos temas urbanos que marcam presença nas esquinas, cruzamentos, nos elevadores, nos pontos de ônibus, nas pracinhas, todos ávidos pelas informações sempre lúcidas e certeiras do palestrante.

Ao terminar o debate, André Palhano deixou seu emeio a quem estivesse interessado em tirar dúvidas.

Rápido no gatilho,  este blogueiro usou o endereço eletrônico do jornalista fundador da Virada Sustentável –  movimento de educação e mobilização para a sustentabilidade com edições em várias cidades  – para lhe pedir uma entrevista.

Questão de duas após mandar o e-mail, já recebia a resposta positiva, com envio em seguida de seis perguntas.

Na manhã de sábado, 20, a entrevista estava  sacramentada na caixa de entrada de nosso endereço.

André Palhano , jornalista com passagem pela Folha de S.Paulo, Agência Estado, revista Veja,   acredita que melhorar o transporte público pode ajudar as cidades a diminuir o impacto das atividades produtivas e que urbanismo sustentável não se resume na busca pelo equilíbrio ecológico.

A entrevista da semana do blog, como pauta de seus 10 anos de existência, aborda agora a questão da sustentabilidade nos centros urbanos.

Eis o depoimento de André Palhano: 

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André PalhanoA mobilidade urbana é sempre apontada como principal causa da poluição do ar. O que pode ser feito para diminuir o impacto dos deslocamentos em uma cidade, seja ela grande ou pequena?

A mobilidade é a principal causadora não só da poluição do ar, mas também da emissão dos gases de efeito estufa. A maioria  tem um inventário desses gases que são responsáveis pelas mudanças climáticas e  o transporte o maior responsável por isso. Várias ações estão sendo tomadas nessa área e, é claro, entre as principais está a priorização do transporte coletivo. Por mais que tenham outras medidas, o que vai fazer a diferença é a gente ter um transporte coletivo de qualidade. Estamos um pouco longe disso, tem alguns avanços, principalmente em relação a faixas de ônibus, mas a qualidade e a pontualidade, entre outras coisas, ainda estão muito longe do ideal. Não vamos mudar a cara da mobilidade nas cidades sem mudar o transporte público. Há ações complementares que não são a solução para a mobilidade, mas ajudam nesse sentido: ter mais ciclovias e estimular as pessoas a andarem mais a pé. Acho que não existe “a grande solução”, mas ela passa necessariamente pela melhoria do transporte público e por algumas medidas nas quais avançamos bastante, como na questão das ciclovias.

A destinação de resíduos ainda é gerida de forma ineficiente na maioria das cidades brasileiras. Houve algum avanço importante em relação a esse tema?

Temos alguns exemplos interessantes, mesmo em São Paulo, que está muito longe do ideal. Foi inaugurada a primeira usina de compostagem lá na Lapa, por exemplo. Você pega o teu resíduo das feiras, aquele monte de produto orgânico que sobra, leva para esse lugar, faz a compostagem, usa sobras de podas de árvores e isso vira um composto. É uma terra super fértil para ser usada em casas, em viveiros, na arborização da cidade. Entre outras coisas, talvez o que eu vi de mais ousado esse ano foi a implantação da coleta seletiva em Salvador. Foi realmente uma revolução, de uma hora para outra implantaram um sistema de coleta que abrange uma grande parte da cidade, não é muito escalonada como São Paulo, que está indo devagar. Eles criaram um programa amplo e está dando certo. É o que eu vi de mais inovador esse ano.

Qual foi o projeto ou uma cidade que alcançou conquistas importantes em relação ao urbanismo sustentável?

De longe dá para dizer foi São Paulo que mais se destacou nesse tema, mas não por uma decisão de governo, e sim pelos movimentos da sociedade civil de ocupação do espaço público. Você já deve ter ouvido esse termo, placemaking, dos movimentos como o Conexão Cultural, Acupuntura Urbana, A Batata Precisa de Você, o Boa Praça, o Rios e Ruas, tem dezenas, talvez centenas de grupos dedicados a ocupar e melhorar o espaço urbano. Em outras cidades também surgiram movimentos, mas nada se compara ao que aconteceu em São Paulo, com tantos grupos ocupando praças, ruas, espaços públicos e melhorando a qualidade desses lugares. Uma cidade mais sustentável não é apenas uma cidade mais ecoeficiente, é também uma cidade mais humana, mais inteligente.

 

Qual sua expectativa em relação a cidades sustentáveis?

No caso do urbanismo sustentável, estamos vendo vários eventos legais acontecendo, como o Festival CoCidade e o Arte e Cultura na Quebrada. Isso é muito interessante, São Paulo talvez nunca tenha tido tantos eventos voltados para pensar a cidade de uma maneira mais sustentável, mais inteligente. Para o próximo ano eu acredito que teremos cada vez mais eventos, em relação ao crescimento desses coletivos e projetos, que tratam de sustentabilidade na cidade. Não é aquela sustentabilidade clássica voltada apenas para as questões da floresta, mas também para as coisas que acontecem mais diretamente na cidade.

Qual será o principal tema de sustentabilidade urbana em 2016?

Uma coisa que vai ser bem interessante o grande teste que a gente vai ter este ano é como a gente vai lidar com a água. Vai ser o grande teste na relação do paulistano com a água. Uma coisa é você reduzir o consumo em um cenário de escassez, e outra coisa é o que a gente vai fazer. Eu acho que teremos uma relação mais consciente, depois de tudo que a gente passou. Não vou falar que eu não tenho dúvida, mas eu espero muito, torço muito. É preciso usar esse recurso com mais consciência e o grande teste disso será porque muito provavelmente a gente não vai ter um problema tão grave de falta da água, mas é nesse cenário, quando volta um pouquinho de conforto, que conseguiremos ver se a gente aprendeu.

 

Qual seria o caminho para uma cidade como Marabá- de 300 mil habitantes, localizada no seio da Amazônia, desenvolver projetos urbanos alçados à sustentabilidade?

O caminho de uma cidade, não pode ser para todas. No entanto, há ações primárias que deveriam ser seguidas pelos prefeitos: humanizar o transporte público, exigindo o cumprimento de manutenção de coletivos em estado conservado, fiscalizar o cumprimento de horários e observar a questão da mobilidade de deficientes. Criar corredores de ciclo vias, em cidades de portes médio e pequenos, é bem mais fácil escancarar os espaços das bikes e reduzir o tráfego de veículos em corredores de ônibus – ou então criar espaços específicos para eles. Afinal, que tipo de cidade nós queremos? Uma com Ferraris presas nos engarrafamentos ou uma em que é possível transitar sem todo esse drama?