Saudações poéticas, queridos contadores de histórias.

(*) Cláudia Borges

 

Credo do Contador de Histórias

 

Creio que a imaginação pode mais que o conhecimento.

Que o mito pode mais que a história.

Que os sonhos podem mais que os factos.

Que a esperança sempre vence a experiência.

Que só o riso cura a tristeza.

E creio que o amor pode mais que a morte.

   (Robert Fulghum)

 

Era uma vez, um bom começo para escrever uma linda carta dedicada para mercadores de sonhos! Salve, querido Contador de Histórias, o dia 20 de março comemoramos o dia dedicado para esse artesão das palavras.

Sabe-se que data passou a ser comemorada em 1991 na Suécia, com o objetivo de reunir os contadores de todo o mundo e fazer um dia cheio de histórias, regado de surpresas e o prazer da fruição que emana do texto e da performance do narrador (voz, corpo e gestos).

Amigos contadores de histórias, hoje é dia de comemorar.

É o nosso dia, uma data especial dedicada para homenagear tal ofício, partilhado por muitos homens e mulheres, desde o princípio dos tempos.

É através dessa a arte milenar que compartilharmos saberes, memória e a palavra, de boca em boca.

A arte da palavra, tem como matéria-prima, a linguagem que, alinhada pela capacidade imaginativa e a criação intrínseca ao artista, representa um sopro de vida na humanidade.

Aproveito esse momento, para resgatar da minha memória, algumas histórias que vivenciei ainda na infância, ditas pelos meus pais, grandes mediadores de leitura e contadores de histórias.

Um talento que passou de geração a geração.

Nas minhas memórias guardo a fruição dos textos literários, a leitura de clássicos da literatura brasileira, da agradável leitura visual dos gibis, que entrou na minha vida, através da voz da minha mãe, professora Cléia (in memoriam), e da voz do meu querido pai, Francisco, o Seu Paraíba (in memoriam), o contador de causos da sua terra natal, a Paraíba.

Sou constituída das histórias do que vi, ouvi e vivi.

Eu agradeço pela partilha de todas narrativas poéticas feitas pelos contadores de histórias que passaram por minha vida, as leituras de livros, as músicas e filmes que fazem parte do meu repertório.

A arte do dizer, que perpassa por inúmeras gerações, no seu caráter ficcional e subjetivo, reinventa a realidade que os cerca.

As histórias são possibilidades, uma fissura que desvenda os mistérios do ser humano inserido em um dado momento histórico, em um espaço e em uma determinada cultura.

Com isso, são representações que o indivíduo (ou a coletividade) tem em sua existência.

A chama acesa das narrativas no mundo contemporâneo permite-nos entrar em contato com histórias de outras pessoas, o que nos dá uma visão ampliada e simbólica da nossa própria história.

Não há povo que não tenha histórias, tradições e lendas. Contar histórias é inerente a condição humana.

É uma forma de expressão dos sentimentos, crenças, valores e emoções. Todos somos contadores de histórias!

Somos todos naturalmente contadores de histórias. Histórias são contadas todos os dias.

Seja um causo compartilhado no ponto de ônibus, na fila do banco ou a fábula lida para os pequenos ao anoitecer.

Contar histórias pressupõe disponibilidade e interesse do ouvinte.

Esse ato de escuta, raro nos dias atuais, vem sendo praticado por diversos movimentos em Marabá.

Contar histórias é algo essencial a vida. Desde a antiguidade a narração de histórias está presente na humanidade.

Quem conta uma história não fala somente da história, fala de si enquanto a descreve.

Além disso, ele sente a quem o ouve. Percebe seu sentir, sua dor, sua alegria. Sua angústia ou seu encanto.

Pela palavra do contador de histórias experimentamos uma transformação simbólica do mundo.

Trata-se de uma manifestação artística que usa a palavra e seus múltiplos significados.

É um convite estético para fruição de quem conta e escuta uma história, o prazer despertado pela palavra, conduzindo-o ao fascinante mundo imaginário.

Antes de tudo, o contador de histórias é um bom ouvinte e leitor desse mundo, com sensibilidade e criatividade para apreciar as minúcias da vida.

A história de cada um tem uma narrativa própria.

Um acervo de histórias que interpela os ouvintes movidos por paixões, curiosidade e medo, são enredados para ouvir a voz do narrador, o grande mago das palavras.

Embrear-se nas histórias é acolher os sons das memórias afetivas, são as nossas histórias. Esses sons que acalantam o mito da escuta, um estado de alumbramento.

Ser porta-voz de uma narrativa envolve sua versão da história, misturada ao jeito de contar de quem um dia lhe contou, ou as histórias lidas em um livro.

Nunca saímos como entramos de uma história.

Na contemporaneidade arte de contar assume muitos espaços.

O agente cultural e social que tem grande importância nas políticas nacionais de incentivo à leitura, porque somos mediadores quando trabalhamos a história de um livro, imprimimos nossa arte e nossa personalidade para que a criança se sinta atraída pelos livros.

Há algum tempo, surgiram os profissionais desta atividade, que cativam os ouvintes de todas idades em vários lugares como: hospitais, escolas, bibliotecas, grandes empresas, dentre outros.

Para marcar a data, escolho o “Credo do Contador” de autoria do escritor cubano Garzón Céspedes pelo fato dele resumir esta arte na melhor palavra: “Creio que contar É AMOR.”

 

Beijos e calorosos abraços poéticos,

 

Cláudia Borges   – Professora de Literatura por desafio, contadora de história por amor, graduada em Letras pelos sonhos, pós-graduada em Língua Portuguesa por dedicação e Mestranda em Letras por curiosidade.

 

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A seguir, transcrevo “Credo do Contador” de autoria do cubano Garzón Céspedes (*):

 

Credo do Contador

Creio no contador, como memória viva do amor e creio em seu filho, e no filho de seu filho, e no filho de seu filho, porque eles são a estirpe da voz, os criadores da terra e do céu das vozes: voz das vozes.

Creio no contador, concebido nos espelhos da água, nascido humilde, tantas vezes negado, tantas vezes crucificado, porém nunca morto, nunca sepultado, porque sempre ressuscitou dos vivos congregando-os a ser: xamã, fabulista, contador de histórias…

Creio na magia que, na entrada das cavernas, acendeu o primeiro fogo que reuniu como estrelas: o assombro, o tremor, a fé.

Creio no contador que, desde os tempos tribais, a todos antecedeu para alcançar-nos por que é.

Creio em suas mentiras fabulosas que escondem fabulosas certezas, no prodígio de sua invenção que vaticina realidades insuspeitas, e também creio na fantasia das verdades e nas verdades da fantasia, por isso creio nas sete léguas das botas, na serpente que antes foi inofensiva galinha, e no gato único no mundo, aquele gato que ao miar lançava moedas de ouro pela boca.

Creio nos contos de minha mãe, como minha mãe acreditou nos contos de minha avó, como minha avó acreditou nos contos de minha bisavó e recordo a voz que me contava para afastar a enfermidade e o medo, a voz que recordava os conselhos entesourados pela mãe para passá-los ao filho;

— Não te desvies do teu caminho.

— Nunca faças de noite o que possas te envergonhar pela manhã.

Creio no direito da criança escutar contos; e mais, creio no direito das crianças vivas dentro dos adultos de voltar a escutar os contos que povoaram sua infância; e mais, creio nos direitos dos adultos desde sempre e para sempre de escutar contos, outros novos contos.

Creio no gesto que conta, porque em sua mão desnuda, despojadamente desnuda, está o coelho.

Creio no tambor que redobra, porque o que haveria sido do mundo se não tivesse sido inventado o tambor, se a poesia não reinventasse o mundo dentro de nós, se o conto, ao improvisar o mundo, não o reordenasse, se o teatro não desvelasse a cerimônia secreta das máscaras e por isso…

Porque creio, narro oralmente.

Creio que contar é defender a pureza, defender a sabedoria da ingenuidade, defender a força da indagação.

Creio que contar é compartilhar a confiança, compartilhar a simplicidade como transparência da profundidade, compartilhar a linguagem comum da beleza.

Creio que contar É AMOR.

 

 (*) Garzón Céspedes   (Nascido em Cuba, Francisco Garzón Céspedes,  personalidade da cultura ibero-americana. Escritor e homem da cena. Bacharel em Jornalismo e Comunicólogo)