– Abacaxi, é três por 5, pra levar!…

 

Andar por uma feira livre é mergulhar em meio à cultura popular.

Nas feiras da Folha 28 (Núcleo Nova Marabá) e Laranjeiras (Núcleo Cidade Nova), aos domingos, nada é igual.

Gritos de feirantes, tonalidades de vozes diferentes – tudo vale para chamar a atenção de fregueses na venda dominical.

Ir a “Feira da 28”, é testar todos os sentidos.

Cada barraca exala seus cheiros, seus sons e temperos.

Pode-se dizer que cada feira livre traz a mesma magia, mas a Feira da 28, aos domingos, é sempre uma experiência social fantástica pela sua singularidade, emoção e sentimentos vivenciados, congelados no flash da digital.

Troca-troca de objetos, sulanqueiros, calçados, panelas, jarros em barros, utilidades domésticas, flores, cereais, frutas & verduras, sons, cores, cheiros e sabores, misturando-se quase na mesma proporção do vai-e-vem incessante, revezando-se nas horas em que dura a feira.

 

Tradição de gerações.

Na Feira da Laranjeiras, chama atenção a banquinha de “Seu” Nado, que neste domingo vendia literatura de cordel.

 

Ao abrir o livreto “Encontro de Lampião com Kung Fu em Juazeiro do Norte”, do cordelista Abraão Batista, de repente, viajo no tempo, lembrando quando adorava percorrer as feiras para me deliciar com leitura de cordel.

Imaginava que não vendiam mais publicações do gênero por estas paragens.

“Seu” Nado vende, pelo menos vendia, neste domingo, na feira da Laranjeiras:

 

(…)

Kung Fu vendo aquilo
Depressa se indignou
Com força pra Lampião
Num tom grave assim falou:
— Procedimento igual a esse
Nesse momento terminou!

Lampião sorriu pra ele
E com um punhal na mão
Despalitou a dentadura
Pra depois cuspir no chão
Respondendo pra Kung Fu:
— És atrevido, tenho impressão

Kung Fu ouvindo isso
Parece que não gostou
Fez um gesto de caratê
Que Lampião lhe apontou
Disparando duma só vez
Seis descargas mas não acertou

Kung Fu tem uma espada
De aço, bem temperado
E livrou-se daquelas balas
De um golpe inesperado
Cortando as balas no meio
Pois quem viu ficou assombrado

Kung Fu de um só pulo
Do fuzil, o cano entortou
Com um golpe dado com a mão
A cem metros do arremessou
E quem quiser vá ao museu
Para ver como ficou

Lampião disse: — Oxente
Quem já se viu coisa assim
Mas Kung Fu de repente
Malhou seu espadachim
E Lampião pulou gritando:
— Hoje tudo está pra mim

Com uma espada grande
Kung Fu nele malhou
Lampião com uma peixeira
Seus planos atrapalhou
Mas Kung Fu com sua espada
A peixeira dele cortou

Lampião: — Virgem Maria
Que espada desgraçada!
E do meio da cintura
Puxou a faca lombada
E partindo desse momento
Teve a briga recomeçada

Quando a espada de Kung Fu
Batia na faca de Lampião
Com quarenta léguas se via
Aquele enorme clarão
Que o povo de Pernambuco
Pensou que era ilusão

(…)

 

No domingo, passa das 10 da manhã, o ar da Folha 28 relembra um pouco Manuel Bandeira, na prosa onde ele diz que a vida não lhe chegava pelos jornais nem pelos livros, mas da boca do povo, “porque ele é que fala gostoso o português do Brasil…”

Nas duas feiras mais frequentadas de Marabá, borbulha caldo cultural inesgotável da criatividade popular.

Respeitável conjunto de gentes e de coisas espalhadas por espaço de uma nesga praça e um emaranhado de construções, notável barulho de sons semelhantes ao burburinho e à algaravia de um movimentado comício.

Diante de todas as outras feiras, as da “28” e da “Laranjeiras” se impõem pelo multifacetado comportamento de seus habitantes, perecendo serpentes chinesas, de papel ou não sei o quê, grandalhonas, intermináveis, sinuosas, que nunca acabam, pois sem começo e sem fim.

Serpente ou dragão chinês, bem colorido, brilhante, de mil formas, como riqueza de pororoca misturada com geometria de Serra Pelada.

As duas feiras são assim: multidão fervilhante entrando e saindo naquele afã de vender e comprar, um  consumismo independente de qualquer vantagem ou desvantagem financeira.

A da “28”, especificamente, é, antes de tudo, viva, vivaz, estuante de vida e entusiasmo.

Quanta coisa se faz na feira da 28!

Você pode comprar jerimum, umbu, sonhim, galinha-d’angola, jabá, carne de cabrito, farinha de mandioca e de coco, faca, punhal, cestos, panelas, coités, redes, tapioca, chaves de bronze, litografias, cerâmicas, tapetes, tudo!

 


Quer consertar um relógio? Cortar o cabelo, fazer a barba, acertar o bigode, depilar, experimentar um batom?

Deseja fazer uma costura, ajeitar um bordado, assar uma coxa de galinha, comprar uma pena amarela para fantasia de carnaval?

Tudo ao seu dispor! Se duvidar, bem procurando, encontra até miniaturas das naves Apolo ou de um esputinique russo!

A Feira da 28 não é lugar de problemas, é lugar de soluções!

Roupas de cama e de mesa, enxovais para batizado e casamento, gibão de vaqueiro, fio dental, sutiãs, sungas, anáguas, fitas para penteados, cintos, meias de homem e de mulher, meias de meninos e de bebês, expostos à venda!

Na feira você pode beber e comer, dormir e sonhar, andar e correr, pode até dançar ou ficar parado.

Dois bares na ruazianha que leva até o “matadouro” de galinhas, são exemplos disso. É ali que a cambada dança forró, nas tardes de domingo.

Espaço prá ver e sentir, fazer, escutar poesia, até mesmo ter um encontro com os próprios poetas, como pudemos constatar na banca de “Seu” Nado, na Laranjeiras, ele devoto de Padim padre Ciço!

Na primeira visita às duas feiras, você mata a curiosidade. Nas outras, vai ser um eterno rever e reaprender, emoção de muito matar saudades.