O texto a seguir é de Rafael Patto, descrevendo passagens da vida da presidente Dilma Roussef no calabouço da ditadura, sendo torturada, e amparando suas colegas, também vítimas de tortura.

O texto emociona, e é reproduzido aqui para que haja sempre reflexão, principalmente por parte dos mais jovens, sobre a importância de um país viver alegremente nos braços da liberdade –  desprezando qualquer tipo de tentativa que nos remeta, outra vez, ao sanguinário tempo da ditadura.

Hoje sobrevivente do holocausto promovido pelos militares, Dilma completa 65 anos. E é nossa Presidente da República Federativa do Brasil!

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Parabéns, Dilma!

 

14 DE DEZEMBRO, ANIVERSÁRIO DE DILMA VANA ROUSSEFF

Por Rafael Patto 

A Vanda da VAR-Palmares, aliás, Luíza, aliás, Estela, estava cercada. Eram quatro horas da tarde de 16 de janeiro de 1970, uma sexta-feira. Nos 22 dias seguintes, Dilma Rousseff conheceria o inferno da tortura. “O medo de não suportar a violência e trair amigos é uma parte da angústia. O medo de morrer é outra”. O prédio principal do presídio da avenida Tiradentes foi construído em 1851, em estilo colonial já meio tardio. Tinha servido como depósito de escravos antes de virar cadeia pública e era tão decadente quanto o conjunto de cárceres que foi crescendo a sua volta. O presídio inteiro seria condenado numa vistoria em 1973, por risco de incêndio e desabamento.

Em 1970, quando Dilma Rousseff chegou lá para aguardar julgamento, o Tiradentes era um canil degradante, onde a polícia jogava mendigos, prostitutas e suspeitos de qualquer coisa, desde que fossem pobres. No edifício mais antigo, duas escadarias, em curvas suaves e opostas, conduziam até as celas das presas políticas. Pela arquitetura, pelo isolamento no patamar superior e pela condição feminina de sua população, tornou-se a Torre das Donzelas (a capacidade de ironizar a própria desgraça ajuda a manter a mente sã na cadeia, ensinam os prisioneiros de todos os tempos. As celas da Torre eram úmidas, as paredes, cobertas de mofo, e as latrinas eram buracos no chão. Havia goteiras por toda parte e, nas noites frias, as presas usavam jornais velhos para tapar os vãos entre as grades das janelas. Dilma chegou em maio, depois de dois meses no Fundão, do DOPS. Ficou na cela 6 e ocupava a parte de baixo do beliche.

Algumas vezes cedia esse pequeno conforto para as companheiras recém-chegadas da tortura. Poucas chegaram ao Tiradentes em condições tão lastimáveis quanto Maria Cristina Uslendi, em outubro de 1971. Cristina tinha apanhado muito em Recife e no Rio, e tornaria a ser torturada em São Paulo. “Voltei aos infernos inúmeras vezes e sempre que voltava a minha cela encontrava Dilma de braços abertos, me amparando, me ajudando a usar a latrina quando não tinha forças, me dando sopinhas de colher na boca, me cedendo a parte de baixo do beliche, pondo na vitrolinha de pilhas as melhores músicas da MPB”, recordou Cristina, num artigo que escreveu para a revista “Agora”, de Goiânia, muito tempo depois. Dilma fez a nova amiga prestar atenção à letra de “Para um amor no Recife”, de Paulinho da Viola. Aos seus ouvidos, o lirismo do sambista soava como delicada metáfora para o sofrimento e a esperança das donzelas da Torre. (A vida quer é coragem, p. 70-79)

Feliz aniversário para essa guerreira que tanto nos orgulha! Que a vida continue dando a ela toda a coragem necessária para o enfrentamento diário dos NOSSOS desafios.

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Nota do blog: a música preferida de Dilma, no calabouço, é esta aqui, do Paulinho da Viola, cantado pela Teresa Cristina.

A razão porque mando um sorriso
E não corro
É que andei levando a vida
Quase morto
Quero fechar a ferida
Quero estancar o sangue
E sepultar bem longe
O que restou da camisa
Colorida que cobria minha dor
Meu amor eu não esqueço
Não se esqueça por favor
Que voltarei depressa
Tão logo a noite acabe
Tão logo este tempo passe
Para beijar você