O Estado do Pará é contornada por vários rios, onde navegam centenas de embarcações diariamente.

A capital paraense, Belém, é cercada de rios e igarapés – um deles, o rio Guamá,  contorna toda a Universidade Federal do Pará (UFPA).

O rio também é, para os ribeirinhos que moram às suas margens, uma fonte de renda e de alimentação.

O açaí, um dos principais alimentos do cardápio paraense, também chega às feiras e supermercados da cidade através do rio.

Com objetivo de salvar essa riqueza hidrográfica, cada dia colocada em risco pela ação do Homem, existem entidades não governamentais que atuam em diversos pontos do Estado.

São ONGs criadas, principalmente, por jovens idealistas ansiosos por melhorar o cenário de degradação imposto pelo espírito destruidor  de pessoas que despejam lixo, e todo tipo de material agressor às águas.

Reunidos semana passada em Belém, dezenas de dirigentes de ONGs ligadas a movimentos de controle da qualidade das águas dos rios paraenses, debateram o tema, projetando ações para  serem aplicadas durante todo o ano de 2020.

A reunião preliminar de um grande encontro que as entidades pretendem realizar na capital paraense apresentou narrativas nada alvissareiras sobre a atual situação de rios, igarapés e lagos paraenses.

O blog teve seu representante  no seio da reunião,  considerando o apoio dado, pelo titular do sítio, jornalista Hiroshi Bogéa, a um grupo de ambientalistas que esteve em Marabá, no início do mês de novembro, concluindo o ciclo de medições do nível de alguns igarapés que circundam a região Sudeste do Estado.

Na oportunidade, dois biólogos e um geógrafo da Universidade Federal do Pará percorreram a extensão de cinco igarapés (Flexeira, Geladinho, Tauri, Taurizinho e Sororó) medindo o nível das águas em pontos estratégicos definidos por GPS e registrando, através de vídeo e fotografias, situações de derrubadas de matas ciliares e de assoreamento.

Trabalhando em silêncio, os  jovens ambientalistas entendem que o momento é de evitar ao máximo repercussão de seus trabalhos, “levando em conta a situação política polarizada, onde grassa a intolerância e a violência”, conforme fala de um dos participantes da reunião.

“Não há necessidade de publicizar nossa atuação e das entidades, porque produziremos relatórios a serem enviados às autoridades. Quando concluirmos todos os levantamentos técnicos, então concederemos uma coletiva levando à opinião pública o quadro desanimador que estamos encontrando – embora haja lugares  de nítida preservação de alguns rios e igarapés”, explica o biólogo Rodolfo Cesário Lima.

Ao todo, as ONGs já realizaram levantamentos em 18 rios e igarapés, havendo atuação  agressiva nos rios Guamá, Moju, Acará, Pará e alguns de seus afluentes.

“Iniciamos nosso  trabalho aqui pelas imediações de Belém, visando otimizar custos das pesquisas em campo – que não são baixos. Conseguimos ir também até Marabá, graças a ajuda de pessoas como o jornalista Hiroshi Bogéa e outros cidadãos”, contra.

“O Hiroshi facilitou encontros com autoridades e a obtenção de doações às operações que realizamos em diversos municípios”,  completou Rodolfo.

Um desses cidadãos citados é o médico Jorge Bichara (foto ao lado), presidente da Fundação Zoobotânica de Marabá e presidente do Conselho Municipal de meio Ambiente de Marabá.

“O doutor Jorge Bichara, seu nome de respeito naquela região, facilitou muitas coisas. Nós já havíamos ouvido falar dele pelo apoio que dispensa ao Museu Emílio Goeldi, recebendo lá na Fundação Zoobotânica de Marabá animais doentes, para tratamento e proteção. Uma pessoa dessa envergadura merece todo o nosso respeito e admiração, até porque tomamos conhecimento, através da narrativa do jornalista Hiroshi Bogéa, da expressiva atuação dele na região, em defesa do Meio Ambiente, nesses últimos 30 anos”, discursou Laura Maria, bióloga da ONG “Rios Vivos”.

As entidades pretendem, em alguma data do próximo ano, realizar um seminário sobre a situação dos rios e igarapés paraenses, quando na oportunidade prestarão homenagens a personalidades que tem colaborado no desenvolvimento de projetos de monitoramentos dos rios.

O médico marabaense Jorge Bichara será um dos alvos das homenagens.

“A necessidade de tratar melhor dos rios paraenses, é um fator que influencia diretamente na qualidade de vida da população. Os rios fazem parte da vida da gente. Dentro do ciclo hidrológico, os rios nos abastecem de água, e são responsáveis pela evaporação, que vai ser responsável pela quantidade de chuva, que vai ser responsável pela nossa temperatura, que vai ser responsável pela qualidade de vida, e assim por diante. Além de também servir para nossa alimentação. Os ribeirinhos é que tratam o açaí e o pescado”, explicou Jeová Ribeiro, um dos participantes do encontro.

 

Além da beleza natural, os rios que contornam Belém poderiam ser uma alternativa eficiente de locomoção entre municípios da Região Metropolitana da cidade. Porém, eles funcionam como um depósito de lixo e esgoto, muitas vezes despejado no local pela própria população, narraram os debatedores.

“Na Amazônia nós temos dois tipos de estradas para se locomover: as estradas de rodagem, físicas, e também as estradas dos rios. Então a nata, a rede de rios, fornece também essa parte de locomoção do paraense e do amazônida de uma maneira geral. O grande problema que a gente tem é que essas águas superficiais, que também servem para o nosso abastecimento hídrico, para o abastecimento de água, estão quase todas contaminadas. E isso não é privilégio da Amazônia nem do Pará, é uma situação no Brasil inteiro. Cerca de 95% do nosso esgoto é jogado nos rios. Então os nossos rios servem de lata de lixo do nosso esgoto. Isso realmente é um reflexo da falta de políticas relacionadas ao meio ambiente”, ressaltou o geólogo Milton Amadeus Sacramento.

De acordo com Milton, as consequências dessa falta de cuidado com os rios prejudica especialmente aquela população que, todos os dias, entra em contato com essas águas.

“Os rios são fonte de alimentação mas se eles estiverem poluídos, os peixes vão sofrer com isso. O relatório do pessoal que esteve em Marabá relata que os igarapés Geladinho e Taurizinho sofrem muitos ataques da mão insana do Homem. Ali, certamente, será preciso desenvolver, urgentemente, projetos de educação ambiental para conscientizar a população. Principalmente no Taurizinho, a mata ciliar não existe mais e o assoreamento é intenso”, revela.

Na região de Marabá, os  jovens pesquisadores realizaram monitoramento de igarapés apenas em alguns afluentes do rio Tocantins.

“Vamos voltar à região para medir igarapés afluentes do rio Araguaia, principalmente o Ribeirão Itaipavas, o Rio dos Veados que tem uma importante junção com o Lago dos Barreiros, lá próximo à Vila de Apinagés, em São João do Araguaia ; e o Igarapé Espinhel, próximo a Araguatins. Esses igarapés , rios e lago são muito importantes na nossa pesquisa para medir  a intensidade  do reservatório de água. Nossa preocupação é com futuras secas desses rios, dada a alta taxa de destruição nele encontrada”,  explica.

O Ribeirão Itaipavas sempre foi um alimentador de peixes, que entram nele pela foz do rio Araguaia, sobem , alimentando-se  em sua extensão. Temos informações de que esse igarapé está perdendo volume d´água a cada ano. Precisamos investigar esse risco”, completa a bióloga Marta de Jesus, também integrantes de uma ONG.

 

Conscientização ambiental

Todos os pesquisadores são unânimes: para combater os males que a destruição do homem causa aos rios, igarapés e lagos paraenses, só há uma alternativa.

“ A conscientização é um passo que precisa ser dado urgentemente, porém com o apoio de políticas públicas específicas para o meio ambiente. A população pode sim ajudar. Mas é difícil você pegar uma população da periferia, que não tem educação, que não tem nem o que comer, não tem água potável para beber, e dizer que não pode jogar um lixo no rio. Eles não entendem isso. Eles só vão entender se houver uma política realmente de educação ambiental”, ressalta o geólogo Milton Amadeus Sacramento.

Não apenas o lixo está matando o potencial hídrico do Pará.

O assoreamento é outro mal cujo processo é agravado pela ação humana

“O assoreamento dos rios é um fenômeno caracterizado pelo acúmulo de detritos e outros sedimentos sobre o seu leito. O assoreamento é visto como um processo natural, porém vem ocorrendo de forma acelerada devido à ação humana. Os detritos, sedimentos e até mesmo o lixo chegam ao leito do rio através da chuva ou soprados pelo vento. A partir daí, esse material fica depositado provocando o assoreamento dos rios.  Grande parte desse problema seria resolvido se as matas ciliares, que ficam as margens dos rios, fossem preservadas. Essa mata funciona como um escudo de proteção para os rios e lagos, prevenindo o desbarrancamento e consequentemente o assoreamento dos rios”, finaliza o biólogo.

Para evitar o assoreamento dos rios é preciso investir em ações preventivas.

Assim sendo, é necessário que processos de erosões, que acontecem próximo a locais de drenagem, sejam reduzidos.

Outra medida que pode reduzir o assoreamento dos rios é instalar barreiras que impeçam que os detritos fiquem acumulados, explicam os pesquisadores.

É preciso também alertar a população ribeirinha sobre como fazer o descarte correto do lixo – desde os pequenos itens como materiais plásticos, até móveis e eletrodomésticos.

Caso esses matérias sejam descartados de forma incorreta também irão parar no fundo dos rios.

Entretanto, a melhor alternativa para evitar o assoreamento dos rios é preservar as matas ciliares, já que essa vegetação não permite que objetos e sedimentos entrem no curso d´água.

 

Consequências

Durante a longa reunião, foi explicado ainda que o  assoreamento dos rios provoca consequências à natureza e a aos habitantes das localidades que ficam as margens dos rios. Simples rotinas do dia a dia podem ser alteradas por causa desse fenômeno.

“Por exemplo, quem atravessa diariamente o rio usando os meios de transporte fluviais pode ficar impedido de realizar esse percurso. Com o assoreamento dos rios, bancos de areia podem se formar impossibilitando a navegação. A presença de sedimentos no rio pode alterar a cor da água. Com a água mais escura a luz não consegue penetrar, impossibilitando a renovação do oxigênio e consequentemente matando as formas de vida presentes no rio”, expôs a bióloga Marta de Jesus.

(Foto de capa, no alto, trecho do rio Araguaia sob pressão de assoreamento)