Em seu local de trabalho, ela distribuía tratamento zeloso para sua clientela, espalhando um largo sorriso que soltava para todos os que adentravam em sua frutaria, na Feira da Folha 28, em Marabá.
Ranes de Lima, carinhosamente chamada de “Loira”, conquistou o público da “Frutaria da Loira” com especial dedicação de excelente vendedora, deixando sua marca em vasta clientela que diariamente frequentava sua lojinha de feirante.
Na manhã desta terça-feira, 14, “Loira” teve sua vida terrestre interrompida ao sofrer uma acidente de moto quando se dirigia à uma academia que frequentava diariamente, antes de seguir para o trabalho.
A morte de “Loira” me deixou muito abatido porque eu era um de seus clientes, e aprendi a admirá-la ao longo dos anos, sua luta para chegar ao estágio de comerciante estabilizada, depois de experimentar as dificuldades da vida de agricultora, filha da zona rural e responsável pelos cuidados que tinha para manter uma família grandiosa.
“Loira” não apenas cuidava de sua manutenção diária. Nos últimos anos, com muito trabalho e tino comercial, conseguiu instalar também, na sequência de sua loja, outras frutarias em nome de parentes, ajudando-os na sobrevivência.
A feira acordava antes do sol, mas “Loira” já estava lá. Não apenas abrindo sua banca de verduras viçosas e frutas que pareciam recém-pintadas, mas montando a fundação de mais um dia.
“Loira” não era apenas feirante; era alquimista. Transformava dias e noites de labutas em calor humano, e cansaço em uma teimosia doce que a impulsionava. Tinha a pele curtida pelo sol matinal e pelas intempéries, mas o sorriso… Ah, o sorrido dela deixava o dia azulado.
Ninguém a via de cara feia. Mesmo quando o freguês pechinchava o preço da alface com uma agressividade desnecessária, “Loira” respondia com um sorriso. Um sorriso que era mais que cortesia; era uma armadura de dignidade. Ela sabia o valor do seu esforço, o peso de cada quilo de batata que carregava, o carinho com que escolhia cada coentro. E essa consciência silenciosa era o seu escudo.
Conhecendo um pouco sua vida, posso afirmar que a coragem dela não estava em lutar contra dragões, mas em lutar contra a desistência. Estava em levantar todos os dias às cinco da manhã, deixar os filhos dormindo, tomar seu café puro e encarar a rua escura com a fé de que a luz viria – não só o sol, mas a luz do sustento.
Aquele sorriso, simples e franco, era a prova de que a alegria não é a ausência de luta, mas a capacidade de lutar sem perder a alma. A dignidade de “Loira” não precisava de título, estava na mão que entregava o troco honesto, no “obrigada” que era uma prece, e no trato igualitário que dispensava a todos, do endinheirado ao mais humilde.
“Loira” é uma de tantas, dessas mulheres silenciosas que carregam o mundo nas costas e a esperança na sacola de estopa. São elas que ensinam que a verdadeira força do nosso povo não está nos grandes discursos, mas no chiado do óleo na frigideira, no cheiro da terra nas mãos, na fé inabalável em um futuro que precisa ser construído, cesto por cesto, dia após dia.
Todo dia era assim: quando a feira se encerrava, já bem tarde da noite, às vezes chegando a madrugada, cansada, “Loira” pegava sua moto e ia para a casa usufruir alguns minutos de descanso.
Hoje pela manhã, quando Eliane, mãe de meu filho Gabriel, me mandou mensagem com a notícia da morte de “Loira”, eu chorei. Não costumo mais chorar diante da morte, mas hoje chorei. “Loira” nos cativou, ao longo dos anos, fazia maior festa quando via Gabriel com a gente dentro do carro, deixando por alguns minutos seu local de trabalho para ir paparicar nosso filhote, que também gostava dela.
“Loira” nos deixou, com sua coragem. Com sua dignidade. E com o sol de seu sorriso, que sempre nascia antes do dia.