Escritores e agentes culturais, que se reuniram em Belém dia 19 de novembro, no evento Palavra da Amazônia, lançaram, nesta segunda-feira, 1º de dezembro, um manifesto em defesa da literatura amazônica, pontuando que foi um “erro casso” não ter sido programado nenhum evento sobre literatura durante a COP30 realizada em Belém, em novembro.
O evento foi promovido pela Federação das Academias de Letras do Pará, na Casa da Linguagem, reunindo cerca de cem participantes entre escritores, educadores, empreendedores culturais.
Além de questões sobre a produção literária regional, eles discutiram sobre políticas públicas; denunciaram o fechamento de bibliotecas e espaços de cultura; a ausência de práticas pedagógicas de leitura e escrita na rede pública e a falta de apoio e exclusão das vozes femininas da região.
O manifesto destaca a importância do livro como direito do cidadão garantido pela Constituição Nacional, mediante a execução de políticas públicas que abriguem programas de fomento à produção do livro, incentivo a novos talentos, incremento da circulação e estimulo à leitura e escrita como atividade pedagógica entre jovens e crianças matriculados na rede pública de ensino.
Afirma que a literatura amazônica é secundária no contexto das políticas públicas culturais – produto do descaso ao direito constitucional do cidadão brasileiro à cultura. Ampliando a visão sobre esse aspecto, o Manifesto faz referência ao estudo do crítico e ensaísta brasileiro Antonio Candido. No livro “Sociologia da Literatura”, ele lembra que a literatura é uma “ação humana indissociável da realidade social”. E que faz parte do “todo social” e da natureza.
Diz o documento que o livro “é o instrumento que leva o homem a desvendar as complexidades do mundo em que vivemos”. No caso amazônico, além do macro espectro do espaço, e da natureza propriamente dita, o “todo” implica compreender a importância de ecossistemas regionais tão sagrados ao planeta.”
Os pressupostos de que o livro é um direito do ser humano constam da Declaração dos Direitos Humanos, do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – aprovado pelas Nações Unidas (OUN) em 1966, documento que está em vigor desde 1976, e que compromete os estados nacionais signatários “a promoverem a conservação, o desenvolvimento e a difusão da ciência e da cultura”.
O Manifesto lembra ainda que a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, da UNESCO (2001), “é outro documento de caráter global a destacar que a diversidade cultural não deve ser usada para violar os direitos humanos”. Juntos, esses documentos formam o arcabouço jurídico global que ratifica o que Candido diz no seu ensaio. “Ele afirma que o acesso à literatura deve ser universal. Concebe que a capacidade de ler e interpretar obras literárias é fundamental para a organização do pensamento, e importante à compreensão do mundo e à formação de uma sociedade mais justa”.
O documento de escritores paraenses considera que o livro está intimamente ligado à questão ambiental por ser, também, meio de difusão de conhecimento sobre ecologia, preservação ambiental e defesa da floresta amazônica. Por isso, o documento questiona a falta de interesse dos agentes locais, que organizaram os eventos da COP 30, pelo tema.
A longa análise do cenário regional da literatura foca em aspectos pertinentes às políticas públicas e conclama governantes da região para cumprirem recomendações do Plano Nacional de Cultura (PNC) e do Sistema Nacional de Cultura (SNC).
Aqui seria bom escrever, em poucas linhas, sobre o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) que ainda é letra morta.
Por conta desses instrumentos legais, o Manifesto recomenda que os municípios criem imediatamente as estruturas institucionais e funcionais (Conselho Municipal, Fundo financeiro e a Conferência de cultura) que garantem o gerenciamento da cultura, contemplando a literatura como um direito da sociedade.
Citando dados do IBGE e da Confederação Nacional de Municípios, o documento demonstra que o país não dispõe de dados atualizados sobre “a existência – ou efetividade – de Conselhos Municipais de Cultura. Em 2021, cerca de 61,1 por cento dos municípios brasileiros receberam recursos da Lei Aldir Blanc, indicando alguma estrutura de gestão cultural. Mas, naquela época, não havia garantia da existência de Conselhos de Cultura efetivamente ativos nos municípios”. Em 2015, a CNM informava que “a cultura estava fora das políticas públicas de 40% dos municípios. A entidade sugeriu que era uma taxa elevada da falta de Conselhos.” Os autores do Manifesto duvidam que “esse quadro tenha mudado positivamente”. Afirmam ainda que “a falta dos institutos legais da cultura previstos pelo SNC, prejudica a estruturação do setor em todo o país”. Sem dúvida, a precariedade é maior no Norte.
Ao elaborar uma longa relação de escritores amazônicos do passado e do presente – particularmente paraenses e amazonenses – além de escritores dos demais países da Pan-Amazônia, o Manifesto afirma: “Infelizmente, a bibliografia da maioria dos autores amazônicos ainda é desconhecida de boa parte da população. Sobretudo, das novas gerações. Ignorados pela crítica e pela mídia – exceto raras exceções –, quase todos os autores são rejeitados pela indústria livreira de grande porte. Ausentes das bibliotecas mais interioranas, são pouco referidos pelas escolas”.
Passando do discurso à prática, o Manifesto propõe a criação de uma entidade regional permanente de defesa e promoção da literatura, que terá o caráter de um fórum de escritores, agentes culturais, empreendedores e representações de entidades públicas e privadas. Sobre esse item, sugere que o fórum a ser criado tenha presença na próxima Feira Pan-amazônica do livro, promovida pelo governo do Pará, em Belém.
O documento, assinado pela Federação das Academias de Letras do Pará, além de ser difundido pelas redes sociais, será enviado às autoridades públicas, parlamentares de toda a região; instituições culturais públicas e privadas. (Foto: Jéssica Gomes)



