Quando criança, lembro-me de ficar até tarde da noite; acho que às 22:00 horas, (naquele tempo era tarde!) esperando para assistir a minissérie …E O VENTO LEVOU na televisão.
Acompanhei aquela saga com um encantamento extraordinário, vi a protagonista Scarlett O’Hara lutar para conquistar o homem dos seus sonhos, sobreviver a uma sangrenta guerra civil, passar por um período de completa miséria, casar com um homem canastrão apenas por dinheiro, tentar ajudar a família, presenciar a morte da filha, para no final descobrir que o homem dos sonhos na verdade era o marido canastrão, que de tanto ser desprezado, a abandonou…
Me frustrei, na época, com o desfecho da série. Mas nunca esquecerei a cena final:
A atriz embaixo de uma árvore, o sol se pondo ao fundo, ajoelhada, aos prantos, agarrando com as mãos a terra e declarando:
– Nunca abandonarei minha terra…
Bom, pode ser que digam que não foi bem assim, não estou sendo fiel ao roteiro, a frase final não era esta etc, etc, etc… Levem em consideração minha pouca idade na época, cerca de nove anos, e as fantasias que alimentei através desta belíssima história. Minha leitura atual é fruto de várias vivências, um monte de sonhos, incontáveis devaneios…
Assim, me permitam, me deixem, não ser tão verossímil. A menina de nove anos quer se mostrar, dizer que ainda existe de vez em quando.
Demorei para entender o apego a terra que a protagonista expressava, pois a lição que logo aprendi com o filme foi: Nunca deixe o seu marido, pois ele é o homem dos seus sonhos! Mais tarde questionei com a menina de nove anos essa premissa…
A TERRA, assim bem grande, marrom, que desbota, que cheira, que fervilha debaixo dos nossos pés. Esta Terra, que é escavada, arada, sulcada, revolvida, demorou a chegar ao meu entendimento de menina. Com o passar dos anos, de muitos anos passados, fui compreendendo o significado daquele gesto épico da Scarlett O’Hara.
Voltei ao filme de 1939, nasci quase quarenta anos depois da estreia (deixo bem claro!!!), para saborear o prazer de quem possui um pedaço de terra, pequeno que seja, para produzir, tirar o sustento, ver o milagre da vida brotar.
O Cio da Terra
Debulhar o trigo
Recolher cada bago do trigo
Forjar no trigo o milagre do pão
E se fartar de pão
Decepar a cana
Recolher a garapa da cana
Roubar da cana a doçura do mel
Se lambuzar de mel
Afagar a terra
Conhecer os desejos da terra
Cio da terra, a propícia estação
E fecundar o chão.
Chico Buarque e Milton Nascimento
Pensar em terra no momento em que estamos trabalhando na escola um Projeto de Empreendedorismo pode parecer um disparate. Porém, a agricultura, mais especificamente a horticultura, mostrou-se um rendoso empreendimento.
Este fato chegou ao nosso entendimento após a visita da Fernanda, técnica de uma prestadora de serviço da Vale, que nos procurou porque queria ser apresentada aos horticultores que existem na Vila São José, pois a Vale fará um trabalho voltado a eles.
Fazia algum tempo que não passeava pelos canteiros da Vila, e foi doloroso constatar o quando estavam sofridos, desgastados e sonhadores…
Sim, canteiros sonhadores…
Horticultores sonhadores, foi o que encontramos. Conversamos longamente. Fernanda parecia estar com o dia ganho, sentou, tirou fotos, se enturmou com aqueles senhores cheios de prosa. Conheceu de perto as angústias de quem ama a terra, de quem afaga a terra todo dia.
Passei boa parte do tempo calada, observando. Constatando que esse negócio de plantar cheiro-verde, alface, couve, cebolinha, pimenta-de-cheiro, dá dinheiro.
Seu Antonio, o seu Raimundo, o outro seu Raimundo, o seu Zé, a dona Eunice são pequenos empreendedores. Geram receita para o município, fazem a roda dos negócios girar. Mesmo sobrevivendo com grandes dificuldades, estes horticultores persistem, o lucro, muitas vezes, não aparece muito, mas o apego a terra está lá, queimando a carne, germinando o coração.
Voltei para a escola revigorada, com cheiro de verdura no coração, regada de esperança. Essas coisas que só quem ama a terra sabe como é que é.
Decidimos incluir a horticultura em nosso rol de empresas empreendedoras, como forma de incentivar nossos jovens alunos a investir na terra, criar apego a terra e reconhecer o trabalho dos horticultores da comunidade e região.
Nesta última quarta-feira, dia 23/05/2012, realizamos uma animada palestra com o tema: HORTA COMO EMPREENDIMENTO.
A engenheira agrônoma da Vale, Nívia Costa, aceitou nosso convite para falar aos alunos, pais e horticultores, deixou seu recado plantado conhecimento. E fez mais: convidou o expert em horticultura, o técnico agrícola Milton Francisco França, da Secretaria Municipal de Agricultura para compartilhar sua experiência.
Milton foi show. Incentivou alunos, pais, funcionários e os nossos ilustres horticultores a empreender na agricultura familiar de pequeno porte. Falou tanto e tão bem que me deu vontade de abraçar o ofício de plantar hortaliças.
Também nos agraciou com dados estatísticos sobre a horticultura no município: Marabá possui cerca de 200 horticultores, com receita mensal de R$ 1.000,00. Somente em Murumuru há 23 agricultores. A pedido do Banco do Brasil, Milton tem feito uma pesquisa mais acurada sobre o assunto, com a finalidade de proporcionar ao BB dados sobre a realidade destes agricultores e, assim, poder abrir uma linha de crédito para os mesmos.
Uma boa noticia para nossos empreendedores da terra. Se pensarmos na dificuldade enfrentada no escoamento das hortaliças, o empréstimo chegará em excelente hora, pois poderão comprar camionetes capazes de transportar o fruto de suas terras.
Ao final da palestra perguntei aos alunos quem gostava de mexer com a terra, para minha surpresa um número considerável de alunos levantou a mão. Milton os orientou onde e como estudar para serem futuros agricultores. Lembrou que o planeta está explodindo de gente, e toda essa gente precisa comer, então, plantar é preciso.
Ficamos de desenvolver uma pequena horta na escola utilizando o sistema de HIDROPONIA, o plantio aquático de espécies. Técnica que Milton tem difundido com muito sucesso no município. Convidamos a Vale para ser nossa parceira na empreitada.
Mas a melhor parte de toda essa conversa foi sem dúvida os aplausos acalorados que nossos horticultores de canteiros sonhadores receberam dos presentes. Foi de arrepiar vê-los todos orgulhosos, de olhos brilhantes, de sorrisos soltos de frente para a plateia.
Eram as estrelas da tarde. Esperamos que sejam as estrelas dos canteiros, os afagadores de uma terra produtiva, que se lambuzem de prazer com suas terras repletas de cheiros e verdes.
Evilângela Lima Alcântara, Educadora, Diretora da Escola de Ensino Fundamental São José.
Evilângela
9 de junho de 2012 - 01:57Wal;
Você não imagina o quanto briguei contigo! Sozinha, claro, porque você havia desaparecido.
Bom tê-la por aqui. Volta pra São José, menina. Sentimos tua falta.
Obrigada, amiga. Beijão.
wal
8 de junho de 2012 - 15:43Sumi, mas, olha eu aqui de novo…..
Fico feliz, mas tão feliz quando leio um texto seu,
parece que estou na vila, o seu comprometimento com essa comunidade é infinito, isso é muito bonito.
Parabéns.
Evilângela
1 de junho de 2012 - 22:05Catiane;
Lembranças de tempos que marcaram você, pelo visto.
Cuidar da terra, ser cuidada por ela, receber da terra o generoso fruto são privilégios que não podemos deixar desaparecer, a agricultura familiar precisa ser incentivada, receber investimentos, ser valorizada.
Obrigada, amiga.
Beijão.
P.S.: Esse beijão copiei da Andreia, viu?
Catiane da Silva abreu
1 de junho de 2012 - 15:47Que belo texto Evilangela.. fez eu lembrar dos tempo quando criança, filha de uma familia humilde, que minha mãe com meus irmões iam para a roça e de lá tiravam a sobrevivencia da familia… mandioca, feijão… Parabéns, belissimo texto.!
Anônimo
1 de junho de 2012 - 12:25Eu estou ligada Evilangela.parabenlizo vc e esse blog.
Evilângela
30 de maio de 2012 - 22:55Francidalva;
Legal ter você aqui. Isso prova que a Vila São José está ligada no blog do Hiroshi Bogéa.
Agradecemos à terra quando somos bons e generosos no trato com ela.
Abraço, linda.
Evilângela
30 de maio de 2012 - 22:36Pois é, né.
Gostei do nome, original.
Estamos abertos a parceiros especializados. IFPA, UFPA serão fontes de conhecimento e incentivo.
É preciso valorizar o trabalho com a terra.
Iremos entrar em contato com estas instituições. Obrigada pelo conselho.
Amo conselho!
Beijão, né?
Evilângela
30 de maio de 2012 - 22:01Laodicélia;
Claro que teremos sucesso! Eu não duvido do comprometimento da nossa turma, dos nossos alunos, de toda comunidade da Vila São José.
Vivemos situações tão dolorosas diariamente, não é amiga? Mas não nos assustamos com os obstáculos.
Você, eu, nós, podemos até não sermos as melhores pessoas do planeta, mas fazemos o nosso melhor pelo planeta.
Aprender a amar a terra é conteúdo educativo, pois terra é mensageira de vida.
Beijão
Evilângela
30 de maio de 2012 - 21:43Edineia;
Obrigada por ser uma leitora dos meus textos. Você me segredou que quando começa a lê-los só para quando termina, porque quer ver o final.
Espero que os finais sejam bons.
Que todos os finais sejam bons.
Abraço, amiga
FRANCIDALVA
30 de maio de 2012 - 18:58Parabens Evilângela , esse texto é belo.
faz com que a gente reflita no quanto a gente faz mal a terra, que só dá coisas boas pra nós e não sabemos agradecer.
pois é né!
29 de maio de 2012 - 22:43…sugiro algumas reflexões na linha da agroecologia…
Sugiro buscar o apoio do campus rural do IFPA e dos cursos de ciências agrárias da UFPA… os campos, as águas e as florestas são oportunidades de trabalho para muitos jovens e essa “horta” poderá incentivar alguns desses jovens a seguirem essas carreiras, já essas duas instituições estão no município ofertando vaga de técnico, graduação, pós e mestrado a cada ano… Boa sorte
Lembrando que Marabá tem o maior número de assentamentos federais do país ….
Laudicelia R.Fonseca
29 de maio de 2012 - 22:31Querida, não sabia que vivências do passado le levaria a refletir e a escrever algo tão belo, a respeito da terra, terra nossa de cada dia que nos dá tudo que temos e como agradecimento, simplismente a destruimos. Mas, que bom que ainda existe pessoas que se preocupam com nossos recursos naturais que produz vida.
Um abraço.
Espero que tenhamos sucesso em mais esse empreendimento.
Edneia
29 de maio de 2012 - 21:48Olha eu por aqui lendo mais um de seus belissimos textos,também assisti” E o vento levou “e tambem nasci uns quarenta anos depois.kkkk e entendo que a terra é muito rica e que precisamos plantar para comermos frutos saudavéis da nossa terra querida.Bjs!