Ela foi apresentada semana passada, e hoje encaminha outro texto de caráter exclusivo.

Eterna estudante das ciências sociais” como mesmo se define, Ghyslaine Cunha manuseia e gosta de sentir as palavras como dedos que se enlaçam entre as mãos.

Ao ler seus textos, de cara, sente-se uma voz verbalizando o que a alma pede, em forma de palavras.

E textos.

Palavras amenas. E soltas.

Construindo imagens de extrema sensibilidade.

Burilando, aqui e ali, frases carregadas de emoção – Ghyslaine sinaliza um mundo envolto a divagações intensas em torno da alma, libertando o peito e desfazendo a razão em pulsações descontinuadas.

O belíssimo furor de íntima introspecção em meio a parágrafos & parágrafos , é uma prova singela de como as palavras constroem um mundo todo especial dentro de Ghyslaine.

——————————————————-

 

 

Quando as palavras calam

 

(*) Ghyslaine Cunha

 

É noite ainda, madrugada e ela desperta grávida, prenhe das palavras, dilúvio de frases, histórias, imagens. Na verdade, é despertada. É madrugada e elas vêm vindo, possuindo a escrava do único e absoluto poder da palavra. Dominada, domada, revelada e libertada.

E nascem as pessoas e seus romances inacabados, sentires inteiros, entrega e perdição, desencontro e reencontro, paixão, crença, canção, em ebulição vem germinando, rebentando, larva de vulcão, rompendo passando por ela, canal, braço, vão.

No encontro infindo enquanto dura, ela e as palavras em puro êxtase, amor conjugado em mil verbos, linhas, versos, entrega plena, maré de rio na superfície serena, e fundo, redemoinho, repuxo, vigilenga, nau sem rumo, partida e chegada, descaminho.

Assim a palavra a descobre, remove os véus, e nela se vê inteira, desliza, passeia, cruza campo, corredeira… assim se faz esse encontro, o mais verdadeiro, sutil e violento, o mais ameno, grato, pleno.

E é quando ela escuta a canção do primeiro pássaro anunciando o sol breve da manhã, o canto do primeiro galo, enredando os cantos dos demais, a perfeita sinfonia que espalha a chegada do dia e seus barulhos, cheiros, rotina que a retira…

As palavras, ainda ali, inquietas, amantes sedentas, intensas em vôo, gozo profundo, ainda a querem, encantada, nos sonhos que nunca houve, das dores jamais contadas, encontros avarandados, suores vãos, libertados, o amor ainda a ser cantado…

E a batalha se instala: de um lado a palavra amada, de outro a manhã que cala em seus sons inevitáveis, a dor, o amor, o ardor. No barulho do dia é rara a palavra clara, nítida, transparente. Outros sons enchem a sala da casa, da alma… e a palavra, resignada, sente sono e se aparta, até a próxima madrugada.

—————-

(*) – Ghyslaine Cunha (como ela mesmo se apresenta) é mãe de Cecília, eterna estudante das ciências sociais e políticas, vegetariana e esotérica, apaixonada por poesia, crônica e boa música, editora do blog http://amoresmeusvidaminha.zip.net . Também presta assessoria política e em planejamento e gestão a associações e sindicatos de trabalhadores, pequenas empresas, mandatos e outras organizações populares.