Quem informa é a repórter Lais Azevedo, do Diário do Pará:

 

 

Os organizadores do Facada Fest foram intimados a comparecer à Polícia Federal para prestar depoimento. Em despacho assinado pelo Ministro da Justiça, Sérgio Moro, e pelo Procurador Geral da República, Augusto Aras, eles são acusados de “apologia ao crime” e “crime contra a honra” do Presidente da República. O motivo apontado é a ilustração do cartaz original do evento, que traz um palhaço usando a faixa presidencial e empalado por um lápis – uma crítica aos cortes de investimentos na Educação feitos pelo governo federal.

Na época do evento, em junho do ano passado, o cartaz já havia sido censurado. Em nota enviada ao DIÁRIO e publicada nas redes sociais do festival, os organizadores destacaram que a terceira edição do evento, realizada em agosto do ano passado, foi um sucesso de público e não registrou nenhuma ocorrência policial. “Não cometemos crime algum. O Facada nada mais é do que fruto da nossa expressão artística em forma de manifestação cultural”, afirmaram.

Eles destacaram ainda a forma desproporcional como a situação vem sendo tratada. “Com tantos problemas ocorrendo neste momento no país – como o motim de policiais militares, a degradação ambiental na Amazônia e os indícios cada vez mais fortes do envolvimento de políticos com milicianos -, nos causa espanto o uso do aparato judicial e policial de nosso país para reprimir um festival de música. Criminalizando a liberdade artística e de expressão garantidas na própria Constituição de 1988, a Constituição Cidadã”, continuaram em nota.

A repercussão nacional junto a artistas e o público após a censura do cartaz e a indignação de políticos de direita – como o vereador e filho do presidente, Carlos Bolsonaro, e o deputado federal paraense Éder Mauro – que postaram em suas redes sociais mensagens com tons ameaçadores, o evento chegou a ser proibido de ocorrer no local previsto, o Mercado de São Brás. Foi transferido para um bar no centro histórico de Belém, mas também passou por repressão policial e foi cancelado, até enfim se realizar em outra data.

HISTÓRIA CRÍTICA

Realizado desde 2017, muito antes da eleição do atual presidente, o festival já tinha um viés de crítica social ao reunir bandas dedicadas ao punk, hardcore e metal. E em sua edição mais recente, levantou o debate sobre o aumento de discursos totalitários. O artista paraense Paulo Magno, autor da ilustração do cartaz, quis sintetizar esse espírito contestador do evento e não considera sua arte um estímulo à violência, como declarou em entrevista ao Diário Online, ano passado.

“O que estimula a violência é a desigualdade social e a falta de investimentos em educação e segurança pública”, respondeu. “Nesta arte, o teor principal é o da educação. A mensagem que a ilustração quis passar era justamente da educação (lápis) vencendo a palhaçada e o desmantelamento da educação. E, por trás, o abandono que nossa cidade está sofrendo. Somente a educação pode vencer a ignorância”, completou.

Em suas redes sociais, a organização do festival lembrou como, historicamente, a sátira a políticos, independentemente de sua posição ideológica, é uma tradição na vida social brasileira. Eles citaram as caricaturas dos irmãos Caruso nos principais jornais do país e artistas como Angeli, Jô Soares e Laerte. “Essa cultura se consolidou não apenas como forma de protesto, mas também como um dos mais saudáveis exercícios de democracia: a liberdade de criação artística e de opinião”, lembram.

Evento se multiplicou

A censura sofrida pelo festival acabou fazendo bandas e coletivos underground de outros estados conhecerem o evento e formarem parcerias para que ele tivesse edição em outras cidades. Ano passado, só em Belo Horizonte foram dois dias de shows, em outubro; São Luiz, Curitiba e Marabá (interior do Pará) também tiveram suas próprias edições em setembro. A edição em Campinas, interior de São Paulo, também sofreu censura, o que foi registrado em um documentário realizado pela Monstro Filmes e compartilhado no Youtube.

Eles foram impedidos de realizar o festival em praça pública, onde tinham anunciado, mesma situação enfrentada pela edição paraense. O que obrigou os produtores e bandas do evento a se mobilizarem e fazer com que o festival acontecesse no Sindicato Bar, um espaço pequeno, mas que tradicionalmente acolhe a produção autoral da cidade. Isso tudo, sem poder fazer divulgação aberta, já que a polícia deixou claro que estaria monitorando as redes sociais para impedir que o festival acontecesse.

Em sua nota, os criadores do festival destacam o espelho que o evento tem sido para outras cenas pelo país. “Somos bandas e público do rock, o mesmo gênero que na década de 1980, inspirado no punk e pós-punk, se opunha ao regime militar e reivindicava as ‘Diretas Já’ e democracia. Em tempos onde deputados apresentam projetos de lei querendo criminalizar estilos musicais no país, a nossa conexão com outros estados tem sido algo muito legal e mostra que não pensamos de forma isolada”, finalizaram.