O Brasíl acaba de perder Luiz Maklouf Carvalho, um dos jornalistas que mais regaram a luta pelas liberdades democráticas.

Morreu nas primeiras horas desta manhã de sábado, 16, em um hospital de São Paulo, aos 67 anos, de câncer no pulmão.

Fomos amigos que se comunicavam eventualmente, pelos meios digitais especialmente o messenger.

Foi apresentado a Mak, como gostava de chama-lo, por um amigo comum, Mário Veloso, economista que amava cinema de arte – uma das paixões e Carvalho.

Isso ocorreu nos idos anos 70.

Maklouf era um dos editores do  jornal Resistência, confeccionado em Belém pela SDDH Sociedade Paraense dos Direitos Humanos – alternativo que combatia a ditadura militar, e nosso primeiro aperto de mão ocorreu à porta do Cine Catalina, lá na Base Aérea, em Val-de-Cans.

Acho que assistimos a um filme de Fellini , não lembro bem, por isso, não há garantias -, indicado pelo Mário.

Voltamos a assistir filme no Catalina, sempre na companhia de Mário.

Meses depois, deixei Belém e os  amigos pra trás.

Tempos depois, soube da mudança de Mak paraSão Paulo, de vez.

Como naquele tempo não havia Internet, a distancia nos separou por um bom tempo.

Certa vez, passando o Círio de Nazaré com meus familiares na capital do Pará, casualmente vejo Maklouf sentado, no final de uma tarde,  no Bar do Parque.

Ele e um amigo paulista.

Nosso reencontro foi  muito saudado ali mesmo.

Antes de nova despedida, Maklouf deixou seu telefone residencial de São Paulo, a quem  nunca fiz qualquer ligação, depois desse reencontro.

Um dia,  já com o blog publicado, acho que durante o governo estadual de Ana Júlia,  vejo uma mensagem de Mak, na caixa de comentário do blog, dizendo que estava acompanhando meu site  e passava seu emeio, solicitando o meu também.

Pronto!

Dali pra frente, vez por outra, nos comunicávamos.

Recebi dois convites dele  para participar de lançamento de seus livros “Já vi Esse Filme” e “O Capitão e o Cadete”.

Não fui a nenhum.

Um dia soube através de amigo jornalista que trabalha em Belém da doença do Mak.

Mandei-lhe mensagem  perguntando como estava seu estado de saúde, e ele me dizia que já era seu segundo câncer contra qual lutava.

“O primeiro, eu derrotei”, disse.

Lendo minutos atrás o texto publicado pela Luiza Maklouf, filha (leia abaixo), ela narra a batalha do pai contra  essa doença filha-da-puta.

Repórter do Estadão desde 2016, Maklouf contou, em texto publicado no jornal, que se tratava de um tipo de câncer que afeta quem já foi fumante. “Não faz nenhuma diferença se você parou de fumar pra lá de 15 anos, como no caso”, explicou no relato.

Nas redes sociais, a filha dele Luiza Maklouf (na foto com o pai) fez uma postagem emocionante em homenagem a ele. “A dor de te perder é imensa. Você queria viver, lutou tanto pra viver… Seu legado está aqui. Beijo com eterna saudade da sua filhota. Espero com amor e fé pelo momento de te encontrar de novo”.

 

A seguir, texto da filha de Mak, Luiza:

 

“15 de maio de 2020

Quarto 432 leito 2 hospital AC Camargo da Antônio Prudente, Liberdade, São Paulo.

 

Uma pandemia lá fora e também dentro de tantos quartos e alas deste e de vários hospitais. Mas aqui neste quarto não. Pelo menos aqui não é dela que estamos sofrendo. Sem dúvida teria piorado muito tudo, assim como foi, só até hoje, para quase 15

mil famílias aqui no nosso país que não puderam se despedir decentemente dos seus familiares.

Nós estamos podendo. Fiz na última terça feira a viagem mais triste da minha vida. 700 km de Floripa até São Paulo para poder dar adeus ao meu paizão. Vim ao lado do meu irmão mais velho, o Fê. Dois anos na batalha contra um câncer de pulmão, o segundo câncer dele. O outro foi há mais de 10 anos e ele venceu com sucesso, assim como venceu tantas outras. Sempre do jeito dele, vencedor, “puxando pra cima” como ele dizia, dramatizando pouco, vendo o lado bom, brincando. Amou a vida! Amou esse plano! Nenhum texto, ainda que eu ficasse dias aprimorando, jamais chegaria perto dos textos dele. Um gênio da escrita. O cara era do ramo. Deixa um legado para o nosso país, uma obra importante, 7 livros, centenas de reportagens. Um jornalista repórter investigativo dos poucos. Para mim e para muitos, o melhor! Para mim na verdade o melhor em tudo: na cozinha, na leitura, na escrita, na escuta, na direção, no xadrez, na posição política, na visão de mundo, no amor pelo mundão, na sensibilidade pra captar o melhor da música, da literatura, nossa! Um amante do Machado. Me apresentou tudo o que eu aprecio culturalmente falando, Guimarães, Flaubert, Chico, Caetano, Belchior, Beatles, Bethânia, Velha Guarda da Portela, Miles Davis, Fernando Pessoa… Como eu amo a lembrança dele recitando Álvaro de Campos, Poema em Linha Reta, em um dos nossos tantos memoráveis almoços de domingo da infância e adolescência.

 

Amo também a lembrança de pegar a estrada com ele. O melhor parceiro de estrada! Leal, o mais leal que se pode ser… nos defendia mesmo quando a gente tava muito errado, falo de mim e dos meus irmãos aqui. Mas também não deixava passar na hora da dura. Escutei algumas. Todas muito boas no final das contas. Um irmão e um tio amoroso. Aos fiéis a ele, fiel e meio. Correu pelo certo. Indignado.

Ariano, de 11 de abril. Tenho a sorte de ter um melhor amigo do mesmo dia que ele.

Ontem um amigo querido me disse para usar com sabedoria deste tempo que estamos tendo aqui, pois iríamos lembrar para sempre destes últimos momentos. Ele já está dormindo profundo e sem mais interação neste momento, e resumir essa coisa toda dizendo que “o bagulho é loko e o processo é lento” seria da total concordância dele.

O Dedé (ou coró), nosso caçula e o orgulho da vida dele, teve o prazer de colar no show do Racionais com o velho. E ele contando como foi o show é impagável, a galera oferecendo um “pega” pra ele: “vai um aí tio?”… Demais!

Ele me mandava as novidades do Deezer: “álbum novo do Racionais”, “álbum novo do Emicida”… o velho era ligado! Um ícone.

Escrevo, daqui deste quarto seguro, para os amigos, tios e primos que mandam mensagens de apoio, que estamos respeitando e aceitando o tempo dele…

 

“…Ainda assim acredito

Ser possível reunirmo-nos

Tempo tempo tempo tempo

Num outro nível de vínculo

Tempo tempo tempo tempo”

 

E é meio que isso mesmo.

Ele contou em alguns artigos recentes publicados no Estadão (jornal no qual ele encerrou a carreira dele e no qual tínhamos, até outro dia, mesmo nessa batalha contra esse câncer, uma matéria aqui, outra ali publicada. A última foi em dezembro, da entrevista com o Tóffoli) um pouco da história dessa jornada com o tumor nesses últimos 2 anos. Descobrimos pouco antes do aniversário de 1 ano do Vicente. Daí eu entrei no seu Maklouf vovô. Putz, aí é foda. O cara tem uns netos muito lindos. Três. Malu, Liz e Vicente. E curtiu um monte, e ajudou sempre com o que faltava, não deixou faltar na real, pra nenhum de nós, nunca. Fortaleceu muitas, incontáveis vezes. Não fazia conta de pouco. Essa aprendi com ele e carrego comigo a parte boa e a ruim de ser assim. Generoso, apreciador da boa culinária e da boa música.

Foi o primeiro a saber que eu tava grávida e foi uma ligação muito amorosa e objetivamente linda. Meu apoio. Já liguei pra ele chorando muitas vezes na vida… até de dentro de armário já liguei pro velho. Tudo mudava depois de falar com ele. Meu amigo.

Veio passar as semanas pré parto comigo e na madrugada que começaram as contrações estávamos eu e ele em casa e juntos fomos para o hospital.

Uma época que ele morou no Rio, quando estava na Revista Piauí, morei com ele numa kitnet em plena Av Nossa Senhora de Copacabana. A gente ouvia música boa e jantava num italiano ali perto nos dias que ele não cozinhava pra nós.

Nesse último final de ano deu pra encontrar toda a família, em um encontro inesquecível em Floripa com direito a Duda com as kids, o Vale e a Isa, ao Baco com a Marília, a Tainazinha, ao Thiaguinho, a tia Mary, tio Paulo, tia Deni, a minha cunha Andréia e nóis, na conexão Belém-Alemanha-Brasília-Floripa. Um presente! Ele já tava meio baqueado mas foi o nosso cozinheiro e churrasqueiro de sempre … quantos churrascos e jantares e almoços. Serviu centenas deles eu acho! Eu tive o privilégio de crescer com ele me perguntando o que eu queria jantar. Fazia pratos individuais as vezes. Tive o privilégio de crescer com esse cara me apoiando em todas as minhas escolhas.

Meu pai veio de Belém pra São Paulo com a minha mãe por volta de 1984, não sei ao certo. Sei que o Fê nasceu em Belém e vieram com ele ainda pequeno pra cá. Ele deu trabalho como filho da dona Marieta e do seu Gerdi, era da pá virada. Foi militante, lutou contra a ditadura militar, foi editor do jornal Resistência, começou do zero como repórter em São Paulo. Construiu com a Dona Elza a nossa família. O último livro dele, “O Cadete e o Capitão” que conta a vida de Jair Bolsonaro (never my president) no quartel, lançado em julho do ano passado, ele dedicou a ela.

Pra dona Elza, nossa rainha, uma leoa mesmo, não tenho palavras. Queria poder arrancar com a mão a dor que ela está sentindo. Que a gente consiga ficar com as melhores lembranças, com o bom ânimo dele, lembrando eternamente do “vamo que vamo”!, que virou mantra.

Obrigada paizão, o “amigo do vovô” que ele dizia pro Vicente… Tenha o tempo que precisar e saiba que é um presente poder estar aqui ao seu lado nesse quarto, fazendo carinho na sua mão, escrevendo essas palavras e recordando e agradecendo por tudo o que você é, foi e fez por mim e por nós. Nada é mais importante do que isso agora. A dor de te perder é imensa. Você queria viver, lutou tanto pra viver… Seu legado está aqui.

Beijo com eterna saudade da sua filhota.

Espero com amor e fé pelo momento de te encontrar de novo. Vamo que vamo.

 

(Meu pai se foi horas depois, na manhã, cedinho, do dia 16 de abril de 2020)”.