Os ipês estão dispersos pelas ruas de Marabá.

Não só aqui.

Os ipês, nesta fase de Estação, cobrem o Brasil de flores.

Muitas espécies que produzem flores amarelas, roxas, rosas e brancas.

Os ipês são bem brasileiros.

São nativas do Brasil.

Árvores de grande porte que amam o calor e o sol pleno.

Dando um giro pela cidade, na metade da tarde da sexta-feira passada, deu para perceber o quanto eles estão colorindo as ruas e avenidas.

Neste período do ano, as espécies perdem todas as folhas  que são substituídas por cachos de flores de cores intensas.

Ou seja, os ipês são caducifólias, aquilo a que os botânicos se referem a determinadas plantas que, numa certa estação do ano, perdem suas folhas.

Thoureau, que amava muito a natureza, escreveu que se um homem resolver viver nas matas para gozar o mistério da vida selvagem será considerado pessoa estranha ou talvez louca.

Se, ao contrário, se puser a cortar as árvores para transformá-las em dinheiro (muito embora vá deixando a desolação por onde passe), será tido como homem trabalhador e responsável.

Lembrei-me disso na última sexta-feira, olhando a belezura dos ipês floridos em minha cidade.

A beleza, tão envolvente, segurou-me alguns minutos em pontos diferentes, ficando ali parado, olhando suas copas contra o céu azul.

Gosto dos ipês de forma especial.

Questão de afinidade.

Alegram-se em fazer as coisas ao contrário.

As outras árvores fazem o que é normal — abrem-se para o amor na primavera, quando o clima é ameno e o inverno está pra chegar, com seu calor e chuvas.

O ipê faz amor justo quando o Verão em Julho chega, e a sua copa florida é uma despudorada e triunfante exaltação do cio.

Conheci os ipês na minha infância, quando percorria as matas dos castanhais e dava de frente com áreas abertas, mas povoadas de ipês de todos os matizes.

Em alguns lugares, áreas preparadas para plantio  eram queimadas pela mão do homem,  a poeira subindo das estradas secas e, no meio dos campos, os ipês solitários, colorindo  de alegria.

O tempo era diferente, moroso como as vacas que voltavam em fim de tarde.

As coisas andavam ao ritmo da própria vida, nos seus giros naturais.

Mas agora, de repente, esta árvore de outros espaços irrompe no meio do asfalto, interrompe o tempo urbano de semáforos, buzinas e ultrapassagens, e eu tenho de parar ante esta aparição do outro mundo.

Na avenida que separa as Folhas 16 da 21 e 22, aproximei-me de um ipê com seu sombreado  no chão coberto de flores, como se salpicasse de estrelas nosso chão.

Claro, os veros da canção de  Sílvio Caldas imediatamente vieram à memória.

De tão belas as flores espalhadas, achei sacrilégio chegar perto e pisar naquelas belezas  caídas, tão lindas, agonizantes, tendo já cumprido sua vocação de amor.

Mas sei que o espaço urbano pensa diferente.

O que é milagre para alguns é canseira para a vassoura de outros.

Melhor o cimento limpo que a copa colorida.

Mas não importa.

O ritual de amor  das flores espalhará sementes pela terra e a vida triunfará sobre a morte, o verde arrebentará o asfalto.

A despeito de toda a nossa loucura, os ipês continuam fiéis à sua vocação de beleza, e nos esperarão tranquilos.

Ainda haverá de vir um tempo em que os homens e a natureza conviverão em harmonia.