Diante da televisão, vendo manifestações por todo o país, Gilberto Gil preocupou-se.

E encheu-se de ânimos.

Não deixou, também, de fazer um comentário, dentro da  visão macro-cosmo com a qual ele sempre vislumbrou os fatos.

“Tenho visto, acompanhado, com muita aflição, às vezes, muito susto. Será a volta do monstro daquela época?” — questionou o compositor, referindo-se à violência da repressão policial e à ditadura militar, que o levou ao exílio, em Londres, de 1969 a 1972.

“Na última segunda-feira, eu me senti fragilizado de novo, temeroso de novo. Parecia o dia em que eu fui para a Passeata dos Cem Mil, na Avenida Rio Branco, no dia do meu aniversário, aquele 26 de junho. Fui tomado pelo mesmo temor daquela época, agora em minha casa, acompanhando a TV e as redes sociais, já inserido neste hipertexto, neste hipercontexto”.

“ Mas, num segundo momento, eu me sinto aliviado por ver esta insurgência popular. Me dá indicação de que a transformação, o “Tempo rei” continua rei. Tudo transformando, transcorrendo, as coisas mudando, novas interrogações, novas questões, novas dificuldades analíticas. Eu estava vendo os protestos na TV ontem (terça-feira) e pensando: o que é isso? Essa manifestação junta a rave com o arrastão. São as duas coisas ao mesmo tempo. É a rave-arrastão. Pronto, é um verso, um condensado poético. As novas palavras de ordem juntam ao mesmo tempo a oração e a praga”.

Gil comentou ainda sobre a necessidade de artistas se manifestarem publicamente.

“No meu caso pessoal, não precisa. Eu fiz isso a vida toda, todo mundo sabe. “É preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte!” (cantarolou a música “Divino, Maravilhoso”). O encorajamento esta aí, podem usar! É só entrar no meu site, procurar, a música está aí!”, finalizou.

Vocês que fazem parte dessa massa,
Que passa nos projetos, do futuro
É duro tanto ter que caminhar
E dar muito mais, do que receber.
E ter que demonstrar, sua coragem
A margem do que possa aparecer.
E ver que toda essa, engrenagem
Já sente a ferrugem, lhe comer.

Eh, ôô, vida de gado
Povo marcado, ê
Povo feliz
Eh, ôô, vida de gado
Povo marcado, ê
Povo feliz

Lá fora faz um tempo confortável
A vigilância cuida do normal
Os automóveis ouvem a notícia
Os homens a publicam no jornal
E correm através da madrugada
A única velhice que chegou
Demoram-se na beira da estrada
E passam a contar o que sobrou.

Eh, ôô, vida de gado
Povo marcado, ê
Povo feliz
Eh, ôô, vida de gado
Povo marcado, ê
Povo feliz

O povo, foge da ignorância
Apesar de viver tão perto dela
E sonham com melhores, tempos idos
Contemplam essa vida, numa cela
Esperam nova possibilidade
De verem esse mundo, se acabar
A arca de Noé, o dirigível
Não voam, nem se pode flutuar,
Não voam nem se pode flutuar,
Não voam nem se pode flutuar.