A Terra do Lucro Animal
(*) Ricardo Melo
Vejam esses números a respeito de um certo país. O lucro líquido somado de 362 empresas de capital aberto cresceu, no segundo trimestre de 2014, 11,46% com relação ao mesmo período do ano passado. Subiu de cerca de R$ 35 bilhões para R$ 39,3 bilhões. Se as empresas estatais saírem do cálculo, as cifras são mais impressionantes. Na comparação dos mesmos períodos, os valores avançaram de R$ 21,4 bilhões em 2013 para R$ 31,6 bilhões neste ano, um salto de 47,58%!
Os dados são de uma consultoria respeitada, a Economatica. Referem-se, isso mesmo, ao Brasil. Estatística de consultor, bem entendido, não é artigo propriamente em alta. Mas isso sobretudo quando o assunto são previsões. É aí que o pessoal costuma se esborrachar feio. No caso, porém, não se trata de projeções. Estamos diante de números realizados, contabilizados e divulgados. Dinheiro que já entrou no bolso, limpinho, limpinho (às vezes nem tanto…)
Virou chavão nos últimos tempos reclamar da perda do chamado espírito animal do empresariado. A culpa geralmente é lançada na conta do governo: não dialoga com os magnatas, muda regras toda hora, intervém demais, gasta muito com programas assistenciais.
Bem, mesmo nesse cenário pintado com cores sombrias, de um ano para o outro o lucro das companhias com ações negociadas em Bolsa disparou quase 50%! Haja voracidade animal. Ou seja, as coisas não se encaixam. Ganha um cartão de crédito com juros decentes o assalariado que conheceu salto tão espetacular no holerite. Nem é preciso lembrar que, na área privada, o setor financeiro lidera o ranking da fortuna.
Números assim, que nem são novos, mas permanecem quase escondidos, colocam o debate num patamar mais honesto. O objetivo não é ocultar problemas; eles são muitos e reais. Por exemplo: o crescimento do país, na medida clássica, o PIB, vem patinando. Como a própria Folha nos informou, em manchete neste domingo, o esfriamento se alastra pelos emergentes como um todo, “da Rússia ao Chile”. Queira-se ou não, o mundo inteiro ainda sofre os efeitos devastadores do crash de 2008. A grande proeza brasileira é ter, apesar de tudo, conseguido estabilizar o emprego em níveis civilizados, custear programas sociais de resultado indiscutível e, como se percebe na ponta do lápis, manter as empresas muitíssimo bem, obrigadas.
Algum desavisado vindo de fora nos dias recentes deve pensar que haverá em outubro eleições para entidade empresarial. Motivo: o mote mais difundido por uma parte da mídia é a pretensa necessidade de acalmar mercados.
Presa dessa ilusão depois de transformada em candidata competitiva, Marina Silva corre para decorar o script. Nomeou uma banqueira como fiadora e se mostra disposta a alargar alianças além das fronteiras antes sustentáveis, ou suportáveis, pela sua Rede. Até agora não entusiasmou nem gregos, nem troianos. Apenas piorou o humor de seu rival na oposição.
É um jogo de alto risco. A força eleitoral de Marina vem justamente do seu lado outsider. Ao mesmo tempo, esta é sua fraqueza junto aoestablishment. Você imagina um empreiteiro doando fundos para uma candidata adversária de hidrelétricas? Bem, nada parece impossível num país onde um político como José Roberto Arruda, mentiroso confesso e corrupto notório, flagrado em áudio e vídeo, lidera intenções de voto em seu quadrado.
(*) Ricardo Melo, ex- jornalista da Folha de São Paulo.