O texto da nossa colaboradora Cláudia Borges (*) realça e resgata um trabalho de aprofundamento cultural que vem sendo desenvolvido em Marabá há vários anos.

Um trabalho de abnegadas agentes culturais que se dedicam a insuflar energia nas ações que podem preparar criticamente um conjunto de pessoas.

Trata-se do programa “Marabá Leitora, criado por um grupo de educadoras,inclusive a própria Cláudia, que atualmente contribui voluntariamente.

Acompanhe a história do programa contado pela jovem agente cultural.

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Era uma vez…

 

“O caminho para o intelecto precisa ser aberto pelo coração.”
Schiller

Era uma vez, uma cidade chamada Marabá, terra abraçada por rios, que embalam histórias e sonhos dos filhos gentis. Essas histórias não estão nos livros. Elas estão gravadas na memória do povo. São histórias recontadas de geração a geração.

A partir da travessia dos rios e da força dos braços dos castanheiros, dos lavradores, dos pescadores, dos carregadores do cais, dos garimpeiros, dos comerciantes, das lavadeiras da beira do Tocantins.

E ainda não podemos deixar de mencionar a história, refratada pela subjetividade dos artistas, que dão cor e vida para essa Marabá, mosaico de vozes e olhares.

A professora Marluce Caetano, apresenta a performance da lenda Matinta Pereira, desde 2013.

O processo criativo da contadora de histórias dá vida à bruxa da Amazônia.

No meio da multidão, ou saindo do nada, ela solta um grito estridente “Quem quer? Quem quer?”

O espetáculo começa, o real e o fantástico, medos e arrepios, o choro e risos nervosos.

O público fica envolvido com atmosfera de um ser lendário que ganha corpo, gestos e voz na performance da artista.

Histórias que se renovam.

A cada conto, de boca em boca, ganha um novo ponto.

Tudo é história, mas poucas são escritas.

São causos, mitos e lendas que alimentam o imaginário do povo e revelam a vã filosofia e a poesia que emana dos rios, da floresta e dos seres encantados.

É o momento do estar junto, da partilha de experiências, algo tão ignorado, pela sociedade contemporânea.

Nesse cenário de Marabá, no ano de 2013, as professoras Marluce Caetano e Cláudia Borges, lotadas naquele momento na Secretaria de Educação do município, em parceria com prof. Dra. Eliane Soares, com o projeto de pesquisa e extensão (Ler e Escrever na Amazônia: Modos de Ser e de Fazer), da UNIFESSPA- Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, criaram um conjunto de ações de leitura que em consonância com as políticas públicas do país (PROLER- Programa Nacional de incentivo à leitura) e inspiradas em alguns projetos de leituras vigentes em outras cidades do Brasil e outros países.

Surge assim, o Programa Marabá Leitora, no seio da bela Marabá, terra de contrastes, dos diversos falares, do povo itinerante, um caldeirão de culturas.

As ações de leitura sempre aconteceram em Marabá, são muitas cigarras que cantam as belezas das terras dos castanhais, são vozes e pensamentos que foram passados de geração a geração.

Marluce Caetano afirma que: “a formação Marabá leitora é o momento de despertar para a leitura, das trocas de experiências para aguçar aos que ainda precisam ser despertados”.

A principal fonte de inspiração desse programa foi encontrar as vozes que teciam as manhãs ensolaradas e os misteriosos sons dos encantados que urgem à boca da noite.

Conforme prof. Dra. Eliane Soares, umas das formadoras e idealizadoras do programa, “Marabá Leitora é um incentivo à prática de leitura como fruição, sonho e transformação”, entretecida de muitas ações voltadas para arte, cultura e fomento à leitura.

O programa Marabá Leitora assume um papel fundamental à formação de professores lotados na sala de leitura da rede municipal de Ensino, tendo como protagonismo, a rica atividade de revelar o poder da palavra, nas salas de leitura, no pátio, debaixo de uma árvore, em todas as partes das escolas e quiçá, nas comunidades entorno.

Segundo a professora Amanda Magnólia Costa Campelo, do NEI (Núcleo de Educação Infantil)  Maria Clara Machado, “Marabá Leitora é um divisor de águas que faltava na minha prática”.

Acervo Pessoal: Formação Marabá leitora. Local: Cine Marrocos

Assim, Marabá Leitora apresenta um conjunto de ações poéticas, que valorizam a eterna criança adormecida no interior do ser humano.

Um sujeito feito de sonhos, movido por desejos e sentidos que redescobre à vida, através da escuta poética de si, da natureza e da convivência com os outros.

A professora Maria de Nazaré Silva Feitosa Rússi, lotada na sala de leitura da E.M.E.F. Prof. Mário Antônio Alves da Silva, comenta:

“As formações são maravilhosas, regadas de muito conhecimento e magia. É uma troca de experiência renovadora. […] é uma oportunidade para novas descobertas que norteia o trabalho na sala de leitura. A cada formação minhas energias são renovadas e vou me transformando em uma contadora de histórias. Contar e ouvir histórias nos transportam para um mundo mágico onde a fantasia e a realidade se misturam, despertando nos alunos o prazer de ler”

Com olhares de indagações e o fascínio do poder das histórias contadas e escritas, experimentamos momentos lúdicos e poéticos de encantamento do mundo, que vão desde as pegadas dos pioneiros que por aqui passaram até o aguçar dos sentidos ao ouvir os sons misteriosos que ressoam na penumbra da noite.

 

 (*) Cláudia Borges, é  Professora de Literatura por desafio, contadora de história por amor, graduada em Letras pelos sonhos, pós-graduada em Língua Portuguesa por dedicação e Mestranda em Letras por curiosidade.

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Nota da Colaboradora:  Como eternas crianças, buscaremos sempre as respostas para as dúvidas que nunca cessam… E o brilho no olhar a cada descoberta no faz de conta da vida. Apreciem este poema que traduz com maestria o mistério da existência. (CB)

 

Poema do livro: Crisálida

Eliane Pereira Machado Soares, nasceu em Minas Gerais, vive em Marabá-PA, desde 1982. Cursou Letras, na Universidade Federal do Pará, Campus Marabá, da UFPA, de Linguística, área na qual é doutora. Dedica-se à poesia desde sempre e já publicou alguns poemas em Coletâneas, e em 2009, sua primeira publicação solo, o livro Crisálida, com essa obra fantástica ganhou a premiação (IAP-Instituto de Artes do Pará).

 

Hybris

Se eu fosse um jogo, o xadrez;

Se eu fosse um número, o três.

Se eu fosse uma arte, a pintura;

Se eu fosse uma doença, a loucura;

Se eu fosse um astro, a lua;

Se eu fosse a verdade; a crua.

Se eu fosse uma música, o fado;

Se eu fosse um sentido, o tato;

Se eu fosse uma flor, o lírio;

Se eu fosse um presente, o alívio.

Se eu fosse um texto, o poema;

Se eu fosse uma situação, o dilema.

Se eu fosse um projeto, a catedral;

Se eu fosse uma situação, o dilema.

Se eu fosse um projeto, a catedral;

Se eu fosse um reino, o mineral.

Se eu fosse uma escolha, a santidade;

Se eu fosse um excesso, a maldade.

Se eu fosse um sentimento, a tristeza;

Se eu fosse uma força, a correnteza.

Se eu fosse um estranho, o profeta;

Se eu fosse um sábio, o exegeta.

Se eu fosse uma ilusão, o tempo;

Se eu fosse uma certeza, o momento.

Se eu fosse um castelo, o mosteiro;

Se eu fosse uma profissão, o oleiro.

Se eu fosse uma veste, a mortalha;

Se eu fosse uma arma, a navalha.

Se eu fosse um tempo, o passado;

Se eu fosse uma vontade, o pecado.

Se eu fosse uma cor, o vermelho;

Se eu fosse um medo, o espelho.

Se eu fosse um lugar, o céu;

Se eu fosse uma sedução, o véu.

Se eu fosse um símbolo, a balança;

Se eu fosse um erro, a vingança.

Se eu fosse um som, o violino;

Se eu fosse um sabor, o vinho.

Se eu fosse um dom, a cura;

Se eu fosse uma expressão, a literatura.

Se eu fosse uma embarcação, a nau;

Se eu fosse um estado, o caos.