Em Caracas na condição de observador internacional das eleições para a Assembleia Constituinte Venezuelana, o juiz do Trabalho Jônatas Andrade encontra-se na posição ideal par debater uma novidades do processo — o voto setorial, que irá escolher 1/3 dos parlamentares. Professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA), diretor de Direitos Humanos da Amatra 8, especialista em Economia pela Unicamp, ele também recebeu o Premio Nacional de Direitos Humanos em 2012, Jônatas deu a seguinte  entrevista por escrito ao 247: 

 

247 —  No Brasil, onde o descrédito do Congresso chega a um patamar escandaloso, a proposta de candidatos setoriais para a Constituinte da Venezuela  chama a atenção. Claro que existem argumentos a favor e contra. Dá para explicar como a coisa funciona, em termos práticos? Quem elege quem, de que forma?

 Jônatas Andrade — A democracia se encontra em cheque no mundo inteiro precisamente por inobservância do seu princípio fundamental: “governo do povo, para o povo, pelo povo!” Na Quinta República Venezuelana estamos assistindo constantemente um exercício prático de busca e observância deste princípio democrático por excelência. Um desses exercícios é o voto setorial que corresponde a 1/3 dos constituintes.

247 — O que vem a ser o voto setorial? Como funciona na prática?

Jônatas Andrade — O voto setorial consiste na contemplação de novos sujeitos sociais exsurgidos após a Constituição Bolivariana de 1999. São indígenas, camponeses, pessoas com deficiência, estratos antes invisibilizados e em processo de afirmação e proteção, ora ameaçados pelo retrocesso social tão presente em vários lugares, inclusive no Brasil. Cito o exemplo das Pessoas com Deficiência, cujo marco legal é de 2007 e que antecede a iniciativa brasileira similar em oito anos.

 247 — Como fica o voto universal, uma pessoa, um voto?

Jônatas Andrade— O voto universal está contemplado pela eleição territorial que ocupará os outros dois terços da Assembleia Nacional Constituinte. O em processo de emancipação, lançando sobre a Constituinte o olhar de minorias secularmente oprimidas. Cada eleitor vota em um constituinte territorial e um constituinte setorial.  Mesmo setores já emancipados também são contemplados, tais como os empresários e a administração pública.

247 — Qual o sentido dessa mudança?

Jônatas Andrade — É necessário ressaltar que ela resulta de um pensar sobre a organização do próprio Estado, tendente sempre a eliminar o “gap” entre sociedade política e sociedade civil. No sábio dizer do jurista Luiz Moreira em apresentação ao chanceler Samuel Moncada, em 28 de julho, “é perfeitamente possível a ocorrência do Estado de Direito divorciado da Democracia. A Assembleia Nacional Constituinte venezuelana persegue a eliminação deste divórcio, aumentando a participação  do povo, fonte originária do poder!” O voto setorial, a nosso humilde sentir, tenta evitar o retrocesso desses setores a invisibilidade.

247 — Por que esse projeto pode funcionar para valer?

Jônatas Andrade —  Não somente o voto setorial é fundamental para a eliminação do “gap” mencionado (entre sistema político e sociedade) , mas integra toda a engenharia constitucional que contempla cinco poderes republicanos (Executivo, Legislativo, Judicial, Cidadão e Eleitoral), especialmente o Poder Eleitoral pensado e executado permanentemente para manter sintonizadas as sociedade civil e sociedade política.

247 — A visão convencional, no Brasil e em outros países, diz que não há  solução real para o divórcio entre o eleitor e seus representantes.

Jônatas Andrade — Esse é um problema político não apenas brasileiro, mas problema mundial: o divórcio. A diferença é que na Venezuela se pensa e se busca a reconciliação há 18 anos. Trata-se da 21ª eleição da Quinta República.

247 — Qual a importância da economia neste debate?

Jônatas Andrade — Há, por evidente, uma crise política e econômica  na Venezuela como de resto ocorre em todo mundo. Mas aqui a  questão se agudiza por haver um claro confronto entre o sistema hegemônico e a organização da sociedade, em torno do exercício do poder. O confronto envolve a livre disposição sobre os recursos naturais venezuelanos, especialmente uma das maiores reservas petrolíferas do mundo.

247 — Quais as opções neste conflito, numa hora em que ele se mostra cada vez mais agudo?  

Jônatas Andrade — Agudizado o processo, importa à sociedade mergulhar novamente na fonte de todo o poder secular: o povo! Mergulhar buscando autorização e autoridade para levar adiante o processo de legítimo exercício do poder pelo povo, para o povo e pelo povo. Há uma opção: capitular diante da pressão (midiática, política, econômica, social, etc…) do sistema hegemônico, capitaneado pelos Estados Unidos, declaradamente assumida.

247 — Como se pode resumir a eleição para a Constituinte?

Jônatas Andrade — O povo venezuelano chegou à encruzilhada capital de seu destino. A eleição de 30 de julho apontará o caminho!

 

   Fonte: Brasil 247 – Jornalista Paulo Moreira Leite