Escrito exclusivamente para este blog, artigo do juiz da 1ª Vara Cível de Marabá, César Dias de França Lins, faz considerações sobre  o nepotismo na magistratura, tema discutido atualmente em blogs, portais, sites e revistas, após denúncias apontando a existência de  c nomeações cruzadas entre o Judiciário e o Governo do Estado.

 NEPOTISMO E A MAGISTRATURA

 

 (*) César Dias de França Lins

 

Desde a polêmica envolvendo a contratação de um casal para os cargos em comissão de assessores do Presidente do STF, a Súmula vinculante nº 13, que proíbe e aponta os casos de nepotismo, não é a mesma.

Isto porque seu alcance precisa ser melhor elucidado pela Corte Suprema a fim de evitar interpretação errônea e/ou teratológica a municiar discursos oportunistas e difamatórios, que em nada contribuem para a melhoria do nosso sistema jurídico, muito menos para construção de nossa novel democracia.

 A súmula em comento proíbe, em relação aos magistrados, que tenham parente consangüíneo ou afim, até o terceiro grau, dentro do próprio Poder Judiciário, v.g; pai, mãe, filho, irmão, sogro, sogra, nora… Este é o chamado nepotismo direto.

 Já o nepotismo cruzado é aquele em que ocorre uma troca de favores entre autoridades de Poderes distintos para contratação de seus parentes, simulando situação lícita a fim de evitar o alcance da  súmula proibitiva desta conduta.

 Assim, resta claro que é necessária a troca efetiva de parentes para a ocorrência desta prática. Uma autoridade do Judiciário recebe um parente de autoridade do executivo, ao mesmo tempo que esta recebe um parente da autoridade do Judiciário. A própria etimologia da palavra exige este modelo!

 Todavia, adentrando fundamentadamente nas teses e conseqüências das denúncias perpetradas pela OAB do Pará contra a Magistratura deste Estado, não se tem como dar validade e credibilidade ao discurso precipitado e irresponsável desta instituição representativa, como se demonstrará adiante. Vejamos.

O CNJ é órgão administrativo do Poder Judiciário, com atribuição disciplinar sobre todos os magistrados, exceto aqueles que compõe o STF.

Destarte, tem o poder-dever de exonerar, uma vez verificados quaisquer dos casos de nepotismo, os servidores que desenvolvam atividade no Judiciário em cargos comissionados. Por outro giro, o CNJ deve instaurar procedimento administrativo disciplinar (PAD) contra o magistrado apontado nesta condição, para apurar eventual contribuição dolosa para a ocorrência do episódio.

Em conclusão, o CNJ acabará com o nepotismo dentro do Judiciário, retirando o parente do magistrado (nepotismo direto) e, no segundo caso (nepotismo cruzado), o parente da autoridade do outro Poder em exercício comissionado na Justiça. Acaba-se o nepotismo com a ingerência do CNJ no próprio Judiciário, em qualquer uma das suas modalidades.

Todavia, jamais o CNJ poderá mesmo no caso do nepotismo cruzado determinar a saída do parente do magistrado em exercício no outro Poder, seja Executivo ou Legislativo, Ministério Público ou até mesmo Tribunal de Contas. Falta-lhe poder constitucional para tanto!

Isso já demonstra um fato. Não há como se atribuir a prática de nepotismo a magistrados (juízes, desembargadores, ministros), quando alguém que seja seu parente, mesmo até o 3º grau, exerça cargo em comissão ou cargo de confiança em outro Poder ou nos demais entes acima mencionados!

Aprofundando o argumento, explica-se: quando um filho de magistrado efetivamente exerce um cargo em comissão em Poder diverso do seu pai, não havendo reciprocidade de contratação,  como poderia decidir o CNJ no caso:

  1. Determinando ao Magistrado, pai do nomeado, que mande seu filho deixar o cargo em comissão no Poder Executivo?
  2. Determinando que o próprio filho deixe o cargo?
  3. Determinando que o gestor do Executivo exonere o filho do magistrado?

No item 1. já se verifica a impossibilidade da ordem, pois o dever de cumpri-la extrapola o seu destinatário. O pai, que é magistrado, por maior temor reverencial que exerça sobre o filho, poderá ter seu pedido não atendido por ele. Neste caso será punido por tal recusa? Obviamente que não.

No item 2. o filho do magistrado simplesmente irá ignorar a ordem por não sofrer qualquer poder disciplinar do CNJ. Poderá atender de forma voluntária, mas jamais imposta!

No item 3. o governador mandará o CNJ respeitar o princípio do pacto federativo e da separação dos poderes previstos na constituição, caso seja versado em Direito. Do contrário, vai dizer que em seu governo quem manda….

Destarte, se não há possibilidade do CNJ exonerar os parentes do magistrado, não se tratará de caso de nepotismo direto ou cruzado, já que neste último, torna-se necessário ainda, em princípio, a contratação pelo magistrado de parente de autoridade de outro Poder ou afim.

Finalizando este pensamento, para defender ainda mais a tese da necessidade de contratação concomitante e recíproca de parentes, imagine a hipótese de um filho, irmão, pai ou mãe que seja inimigo do magistrado!

Vejamos a hipótese adiante: sabendo da tese esdrúxula sustentada pela OAB, o irmão do magistrado, para prejudicá-lo, vai trabalhar em qualquer cargo em comissão de prefeitura, governo estadual, MP e tantos outros cargos em comissão existentes. Em seguida, vai à página da OAB, blog da perereca e arma a denuncia. Pronto! O Magistrado vira nepotista, sendo difamado impiedosamente. Sua vida pública nada mais vale.

Visando resolver a celeuma, o magistrado liga para seu irmão e diz: mano, deixa este cargo de assessor da prefeitura de Pererecanápolis, pois o CNJ não quer essa situação. O irmão responde que nada deve a esse tal de NJC , CNJ, BJJ, e que não está nem aí para o seu problema! Como poderá o juiz resolver a situação, se está fora do seu poder de decisão? Cargo em comissão no Poder Executivo, principalmente em prefeitura de interior, não é de difícil conquista, mormente quando se tem uma boa formação profissional.

E ainda, mesmo nas melhores famílias, o parente do magistrado dirá: que culpa tenho eu se o senhor é magistrado? O que antes era tido como orgulho (ser parente de magistrado), com esta interpretação escabrosa, acaba por tornar-se em algo contagioso, pois todo aquele que for parente de um membro da magistratura estará automaticamente condenado a jamais poder exercer cargo em comissão, pois se o fizer, seu parente magistrado será penalizado, difamado, crucificado pela mídia.

O parente do médico, advogado, dentista, deputado, veterinário, de gente sadia, pode. Apenas o parente do magistrado é que não é dado este direito, pois é vítima da “magistraturite”, doença congênita. É ou não é uma praga ser parente de magistrado!

Outro dia escutei de outro colega que não iria demorar para ver filhos de magistrados entrando com ação negatória de paternidade na Justiça para se livrar desta pecha, acirrando a crítica de forma humorada à OAB/PA e seu entendimento.

O nepotismo exige ainda a conduta dolosa de tentar ludibriar a ratio legis do conteúdo normativo sumulado, o que cai por terra a acusação desta prática quando um dos parentes das autoridades envolvidas já exercia este cargo comissionado antes da edição da súmula e o da outra assume o cargo tempos depois. Exige-se a vontade de simular situação espúria de forma concomitante de contratação ou sucessivamente em curto espaço de tempo. Caso contrário, evidencia-se que também não é caso de nepotismo cruzado, principalmente almejando a punição da autoridade judiciária. No muito, diante da ocorrência apenas da sua forma objetiva, retira-se o servidor em comissão ligado ao Judiciário, como já explicado, diante da falta de poder disciplinar do CNJ em relação às pessoas estranhas ao Judiciário.  O magistrado não manda em seus familiares maiores de idade, no muito apenas pede!

Ademais, se o próprio STF chegou a se confundir com a interpretação da súmula do nepotismo, como dito alhures, seria de bom alvitre que a OAB/PA antes de tanto estardalhaço fizesse uma consulta ao CNJ sobre a hipótese objeto da denúncia, evitando toda a celeuma criada com a difamação midiática do Poder Judiciário e de seus magistrados. Mas parece ser peculiar a esta gestão a falta de diálogo.

O CNJ, órgão do Poder Judiciário, constatará que nestes casos não há nepotismo direto ou cruzado, assim como perceberá que apesar de serem magistrados, ainda assim, o poder de decidir sobre a vida de seus filhos maiores, irmãos, esposas, não lhes pertence, sendo deles esta decisão para deixar os cargos comissionados, como foi no momento em que optaram por assumi-los. Magistrado não transige com ninguém, e quem afirmar isto, que prove ou se cale para sempre.

 

(*) César Dias de França Lins – Juiz de Direito da 1ª Vara Cível de Marabá.